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sábado, janeiro 09, 2010



Tio Édi.

Recordações de infância são sempre carinhosas, mesmo que por vezes tenham algumas sombras. Natural. Entre as brincadeiras de esconde-esconde, um drama familiar também se oculta.Toda família os tem,frágil equilíbrio.
Quando ficamos mais ou menos adultos, tomamos pé de algumas verdades. Sem brincadeiras, sem roda caixinha, nada. Por isso lembrar-se da infância é bom, resgatamos nossa inocência perdida. Benditas lembranças.
Minha família sempre gostou de ir para “fora”(o interior), temos parentes que lá moram.Para uma criança é muito bom.Eu gostava muito, eram reuniões de todos os familiares,amigos e outros familiares desconhecidos.
Todos ficavam juntos em uma imensa roda de conversa, risadas e comida.
Tinha churrasco feito pelos homens e salada feita pelas mulheres. Tudo isso era regado a uma boa cachaça de barril, cerveja e muitos instrumentos musicais. Lembro que essa parte da musica eu não gostava muito.Achava as musicas chatas, hoje não acho mais, agente muda.
Foi nestes encontros musicais que conheci Tio Édi. Realmente uma anomalia no melhor sentido da palavra. Completamente albino, cego,idade avançada e com um cabelo mais crespo que já vi na minha vida.Ficava com impressão que água não penetrava ali nem por decreto.
Gostava muito dele.Jeito calmo,simpatia iluminada,falava de olhos fechados.
Tinha um dom natural, herdado da natureza. Tocava musica de ouvido. Tocava qualquer instrumento. Nunca freqüentou nenhuma aula de musica, a sua volta sempre tinha, violão ,gaita e um trombone. Mas não dispensava o pandeiro e um pequeno tambor.
Sentava-me perto dele, e olhava aquele homem que tocava qualquer musica de dava no radio.Talento natural.Ele me emprestava o violão para brincar, até tentou me ensinar, mas eu queria brincar.
Então a voz rouca de Tio Édi iniciava sempre aqueles sambas de raiz, e os demais amigos acompanhavam com aquela orquestra informal. Assim eram as tardes, churrasco e musica e cerveja. Todos que sabiam a letra cantavam.
Certa feita minha mãe cantou mesmo sem saber cantar, uma musica de Roberto Carlos, tio Édi abre o sorriso iluminado, violão o acorde perfeito, lembro que todos ficam admirados, a mãe canta e emociona-se, minha ela é assim mesmo. Foi um lindo momento,entre tanto que lá ocorriam.
Hoje fico pensando, onde estão esses talentos naturais?
Na minha família não tem mais nenhum, todos somos “comuns” demais, sem talento,trabalhamos tentamos sobreviver com algum prazer, como você ou qualquer outra pessoa.
Minha mãe ainda tenta cantar e tocar teclado, não tem talento mas é esforçada. Gostamos muito de musica. Me limito a escutar.
Um final de semana destes que íamos pra fora, mesma coisa sempre, porem neste dia as coisas não deram muito certo.O churrasco estava ótimo, e Tio Édi parecia faminto, talvez faminto demais.
Na hora de almoço comeu muita vontade, o violão ao lado com as cordas afinadas e mudo.
Depois do almoço a “siesta”, todos dormem para descansar os estômagos. Tio Édi adormece e não acorda mais. Lembro da comoção, médicos, ambulância e muitos choros, as crianças apartadas.
Queria ver tio Édi mas não podia. Crianças não olham a face da morte. Lembro que me disseram que ele adormecera e não acordaria mais. Queria que ele acordasse e nos tocasse uma musica com o violão, me deixasse desafiná-lo um pouco.
É estranho pensar assim, não vi o seu corpo, não vi seu caixão, ele simplesmente desapareceu e a musica nunca mais foi a mesma. Ao contrario que se diz, somos todos insubstituíveis, nosso traço é único,nossa beleza é única, somos únicos.

Carinhosamente ao Tio Édi.
Luis Fabiano.

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