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sábado, janeiro 23, 2010



Crente demais.

Foi exatamente assim que conheci Rogério. Tinha fé até os ossos. Com vinte e poucos anos, se agarrara a certeza da religião, quando o seu mundo ruíra aos poucos. É assim mesmo, quando não temos mais a quem apelar, vamos a Ele.
A historia de Rogério é típica.É um pouco minha e sua.
Primeiro vieram os problemas em casa, uma mãe doente, que ia morrendo aos poucos, doença degenerativa.Foi vendo ela ficando murcha como uma flor seca. Seu pai se esforçava para dar um ar de normalidade ao lar.
Mas também se esgotava,tudo se esgotava, chorava silenciosamente.
Foi a primeira vez que Rogério rezou, pediu a Deus, algo.Tinha dezesseis anos.Mas a mãezinha só piorava.Deus não o escutara,a primeira vez.Diziam os tolos,porque não tinha religião, não fora batizado, não era de Deus, ainda.
Sua cabeça se encheu de esperança. Era isso, que precisa acontecer. Converter-se. Deus não escuta aqueles que não acreditam sempre. Foi neste suplicio de dor e morte que converteu-se ao catolicismo. Foi batizado. Fez o que precisava fazer. Mas sua mãe, não melhorou nada,piorava,paralisava lentamente.
Os médicos foram taxativos,e irônicos.Só um milagre a salvaria.Sabemos que não existem milagres,justamente quando se precisa de um, instantaneamente. Isso não existe. Rogério acreditava muito nisso, o amor por sua mãe era grande.
O amor salva?
Não foi o caso, alguns meses depois, Deus levava sua mãe ao céu,paralisada e cheia de dor até o fim.
Rogério não entendia, não queria entender. Foi tudo inútil, preces, a fé, os donativos, Deus lhe virou a face? Com a morte de sua mãe, perdeu o interesse pela religião. Parecia indignado. Um vazio em sua existência, agora com dezoito anos, vivia a esmo.Um vagabundo. O pai tentava lhe dar conselhos, mas olhava com olhos vazios para o pai. Nem ouvia nada.
Quando tudo ia de mal a pior, conheceu Eduarda. Na rua, seus olhos se cruzaram, gostou de vê-la. Parecia que havia despertado para algo. Estava morto. Ela também gostou dele. Sorriram simultaneamente.
Essa espontaneidade, nos faz bem em um mundo de artificialismos.
Se falaram, uma vez, duas vezes, varias vezes. Apaixonaram-se.
Sentiam tanta falta um do outro, queriam sempre estar juntos. Lembro bem disso. Foi sua época mais feliz, um sorriso interminável.
Gosto de ver isso, afinal quem não gosta de estar feliz? Rogério merecia, andou perdido, e Eduarda agora era seu porto seguro.
Não sou sempre pragmático e frio. Entendo que existem pessoas que precisam estar com alguém para sentirem-se completos. Ideais de felicidade solitária, é possível, mas não para todos.
Eduarda era boa moça. Destas que agente não espera que faça alguma espécie de mal. Mas o tempo sempre é foda. Em alguns casos o tempo é uma espécie de verme, vai nos corroendo por dentro, ou nos refinando, se aprendemos alguma coisa.
A verdade que estavam juntos a dois anos, a intensidade da paixão não era a mesma.Paixão é assim, muita energia, tesão, fodas intermináveis, as vezes isso transforma-se em amor, noutras converte-se em nada. No caso deles, foi virando nada.
Um dia Eduarda deu o golpe fatal. Disse em alta voz:
-O nosso amor ta morto. Acabou Rogério.
Os olhos atônitos, Rogério não entendia que ela estava dizendo. Mais uma vez não queria entender. Ele perguntava porque, porque, porque ?
Mas ela estava decidida demais. O amor morreu Rogério.Morreu!
Naquele dia parte de Rogério morreu também. Seu porto seguro, agora era uma tábua que tentava agarrar-se, em um mar revolto sem fim.
Tornou a ficar apático, meio morto. Muita dor. Vemos isso todos os dias. Tem gente que acaba sucumbindo a dor. Pois a vida é assim, ou você agüenta e endurece sem perder a ternura, ou é melhor meter uma bala na cabeça, nada de morte a crédito.
Pensava sozinho Rogério. Queria que tudo fosse diferente. Estamos sempre querendo que as coisas sejam diferentes. Mas elas não são. Elas são o que são, feias ou bonitas é isso. Não digo que nada se altere, mas aí é com você.
Com um pouco de sacrifício se consegue muitas coisas, as vezes.
Foi nas suas andanças perdidas pela rua, que se deparou com uma reunião, em uma pequena igreja improvisada, onde um pastor animado demais, gritava a todo fôlego:
-Eu arranco este sofrimento da tua alma, essa dor não é tua, és filho de Deus, o Senhor esta conosco...
Rógerio parou na porta. Meio hipnotizado, lembrou-se da fé que havia perdido a tanto tempo.
Deus o perdoaria? Não conteve as lagrimas.
Um dos auxiliares do pastor, o conduziu para dentro. Deixou-se arrastar molemente. O pastor não perde a oportunidade:
-Este irmão, estava perdido de Deus, da vida, do amor, da salvação...e hoje ele está entre nós, encontrou-nos. Graças a Deus!
O pastor lhe coloca a mão na fronte, dizendo que aquele sofrimento iria passar. Sente um alivio breve. A fé lhe voltava.Sim, era isso que precisava, entrar em contato com Deus. Um Deus justo e bom, que lhe receberia como filho pródigo.
Passou a freqüentar a igreja de garagem. Ali reencontrou a felicidade e Eduarda foi esquecida, convertida em infiel. Sempre é mais fácil esquecer alguém ou algo convertendo-o em algo mal.
Não esquecemos o problema, mas alimentamos outro sentimento, é barato mas funciona.
Rogério tornou a sorrir. Recuperou o vigor de antanho. Mais uma vez o vi feliz, desejei muito que ele finalmente tivesse encontrado a paz, pois merecia.Deus lhe parecia sorrir.
Mas um dia ele chega mais cedo a igrejinha, entra pela porta dos fundos. Vê sem querer os pastores que tanto acreditava, contando dinheiro da igreja, dizendo sem cerimônias, em riso sardônico:
-Esse dinheirinho de Deus, vai proporcionar a piscina lá em casa, depois o carro melhor, viva a fé, viva Deus..(risos).
Quando olharam para o lado, ali estava Rogério. Lágrimas nos olhos.
Era uma farsa então?
Tudo era uma farsa? Mais uma vez, sentiu a chão tremer. Tudo misturou-se em sua mente. Somos assim. Lembrou-se de sua mãe morta, de Eduarda indo embora, e agora o pastor filho da puta, sacana!
Chegou a conclusão que a vida realmente era uma merda. Viver, era ser enganado, por Deus, pelos homens, pela vida. Nem fé, nem amor, nem milagre.Saiu correndo em desespero, queria fugir dali, de si mesmo o mais rápido possível.
Atravessa a rua correndo sem olhar, é atropelado por um corcel enferrujado.Sangue rutilo sai de sua cabeça, agoniza solitário, aquelas lagrimas significavam tanto, tantas dores somadas.
Tudo foi ficando escuro, escuro.

Paz.
Luis Fabiano.

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