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quarta-feira, dezembro 02, 2009



Téo e Joana.

Trabalhei em hospitais, ambiente carregado com algumas felicidades e um caminhão repleto de tristezas. O lugar mais alto astral é a maternidade, lá é bom, nota-se uma energia boa. As Utis são terríveis, mesmo tão limpas, brancas e silenciosas. Um silencio mortal, som das máquinas que sustentam a vida, respiradores, tubos, catéteres, uma sinfonia para salvar e matar ao mesmo tempo.
Não me entendam mal, não tenho nada contra Utis, mas elas parecem a antecâmara da morte, tenho certeza que a morte espreita alí.
Vi coisas terríveis la dentro. As vezes exemplos que mostram uma disposição de vencer a morte, um combate feroz, muitos combatentes cambaleiam e se afogam a beira. Quando se vê isso todos os dias, a consciência se acostuma,morte todo dia, os olhos baços, rigidez da pele e um vazio que fica no ar. A alma se vai. Para onde, ai já não nos cabe especular não é mesmo?
Foi nos corredores claros e densos do hospital que conheci Téo.
Mais que preocupado, cansado, triste. Chorava silenciosamente, aquele choro doído. Aquele cuja a dor é tão forte, que a lágrima sai espremida de dentro de si.Como se chorasse espinhos.
Na primeira vez que passei por ele, agi com frieza como recomenda a postura profissional. No hospital não se pode dar atenção e sentir a dor de todos. É melhor passar uma aparência profissional. Esqueça o humano. O hospital é uma oficina de reparos. Somos robôs, pedaços danificados, peças a serem trocadas, fácil ,rápido e com anestesia.
Encontrava aquele cara todos os dias. O tempo nos faz dizer um oi tímido, e depois uma conversa rápida e por fim sabemos a vida toda meio sem querer.
Me contou a sua historia.
Conheceu Joana na casa de uns amigos, e foi como se sempre a tivesse conhecido, disse-me:
-Olhei para ela, e foi uma emoção na hora, até hoje não sei explicar, talvez amor a primeira vista seja isso. Ela sorriu, eu sorri. Foi na hora. Sinceramente não acreditava nisso, achava meio besteira. Conversamos a noite inteira. Eu era meio tímido, ela também, e tudo que saiu naquela noite, foi um beijo no rosto. Mas foi muito bom.
Despedimos-nos, mas não para sempre.
Téo aliviou o rosto com tais lembranças. É bom cultivar boas lembranças, elas podem nos salvar quando tudo da muito errado. Salvar de enlouquecer, de perder a cabeça. Deixe um lugar carinhoso dentro de si para aquilo que é bom, um jardim com suas melhores flores, com o que tem de melhor. Conselho gratuito, as vezes ajuda.
E Téo seguiu:
-E ai passamos a nos encontrar sempre, o carinho foi aumentando, da amizade passamos a querer um ao outro. Não entendia nada de amor, não sei se existe alguém que entenda disso. Mas a verdade passei a querer estar sempre com ela, ela também . Nós com vinte e tres anos, a Joana passou a ser mais importante que eu. Não pensei que pudesse gostar tanto. Faria qualquer coisa por ela, tudo.
Eu estava tocado com aquela historia, bonita, romântica e verdadeira.
Infinitamente mais belo que tudo que eu pude oferecer a quem conviveu comigo mais intimamente. Gosto de saber que existem pessoas boas por ai,com alguma pureza, estão ocultas e vivem suas vidas, de vez em quando é bom vê-las.
Queria saber o que havia acontecido para Téo estar ali hoje. Ele prossegue:
-Com o tempo veio a intimidade, e tudo foi ótimo, talvez você ache estranho mas era a primeira vez de ambos.No início não se tinha muito jeito, mas a natureza sabe fazer o seu caminho.E foi muito bom, amor e prazer tudo junto, me sinto completo com ela.
O tempo passa. Um dia notamos umas manchinhas escuras na pele dela. Fomos investigar, ela não se alimentava bem, estava magra.
Alguns exames depois descobrimos que estava com Aids. E eu também. Peguei dela.
Olhei para Téo gravemente. Ele sorriu e disse que estava tudo bem, tudo foi meio sem querer, ela tinha feito uma transfusão e as coisas não deram muito certo.
Perguntei que se ele não tinha ficado indignado?
-Não. Foi sem querer, ambos não conhecíamos bem os caminhos desta doença. E além do mais, eu a amo muito. E ainda faço qualquer coisa por ela. Agora, do outro lado desta porta, ela esta muito fraca, a doença avançou muito. Ela me pede que eu não a esqueça, dói meu coração, encontrar alguém, e ver este alguém partir. Fico aqui na rua um pouco, respiro e volto. Tenho certeza que nunca a perderei, ela estará sempre dentro de mim, sempre, talvez nos encontremos no paraíso né?
Concordei, sem duvida. O que Deus une, não separa-se.
Téo gostou de ouvir isso. E se despediu de mim. Abriu a porta do quarto e disse para Joana:
-Olá minha linda... a porta se fecha.
Aquele dia quando voltei para casa, na época eu era casado, casamento fracassado e no final. Cheguei em casa e abracei carinhosamente a minha esposa. Ela não entendeu nada, mas gostou me retribuiu. Tem dias que a vida ganha um sentido, ainda que seja por breves instantes.

Paz
Luis Fabiano.

Um comentário:

Dóris disse...

Parabéns, uma bela história.
Curioso como sempre encontramos pessoas com belas histórias, algumas são uma lição para a vida.