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quinta-feira, agosto 17, 2006

Punição e ignorância

O mestre havia terminado uma de suas pregações na praça publica, quando percebeu que a multidão se movimentava em alvoroço. Alguns populares mais exaltados prorrompiam em gritos, enquanto uma mulher ofegante cabelos desgrenhados e faces macilentas, se aproximava dele, com uma suplica de proteção a lhe sair dos olhos tristes. Os muitos judeus ali aglomerados excitavam o animo geral, reclamando o apedrejamento da pecadora, na conformidade das antigas tradições.
Solicitado, então, a se constituir juiz dos costumes do povo, o Mestre exclamou com serenidade e desassombro, causando estupefação aos que o ouviram:
-Aquele que estiver sem pecado atire a primeira pedra!
Por toda a assembléia se fez sentir uma surpresa inquietante. As acusações morreram nos lábios mais exaltados. A multidão ensimesmava-se, para compreender a sua própria situação. Enquanto isso, o Mestre pôs-se a escrever no solo despreocupadamente.
Aos poucos, o local ficara quase deserto. Apenas Jesus e alguns discípulos lá se conservavam, tendo ao lado a mulher a ocultar as faces com as mãos.
Em dado instante, o Mestre ergueu a fronte e perguntou a infeliz:
-Mulher,onde estão os teus juizes?
Observando que a pecadora lhe respondia apenas com o olhar reconhecido, onde lagrimas aljofravam num misto de agradecimento e alegria, Jesus continuou:
-Ninguem te condenou?Também eu não te condeno. Vai, e não peques mais.
A infeliz criatura retirou-se,experimentando uma sensação nova no espírito.A generosidade do Messias lhe iluminava o coração, em claridades vivas que lhe banham a alma toda.Mas, enquanto a pecadora se retirava presa de intensa alegria, os poucos discípulos que se encontravam junto do Senhor não conseguiram ocultar a estranheza que lhe causara o seu gesto.Por que não condenara ele aquela mulher de vida censurável aos olhos de todos?Não se tratava de uma adultera? João aproxima-se e interroga:
-Mestre, por que não condenaste a meretriz de vida infame?
Jesus fixou no discípulo o olhar calmo e bondoso sorriu e esclareceu:
-Quais as razões que aduzes em favor da condenação?Sabes o motivo por que essa pobre mulher se prostituiu?Terás sofrido alguma vez a dureza das vicissitudes que atravessou em sua vida?Ignoras o vulto das necessidades e das tentações que a fizeram sucumbir ao meio do caminho.Não sabes quanta vezes tem sido ela objeto de escárnio dos pais, dos filhos e dos irmão das mulheres mais felizes.Não seria justo agravar-lhe os padecimentos infernais da consciência pesarosa e sem rumo.
Ninguém pode contestar que ela tenha pecado;quem estará irrepreensível na face da Terra?Há sacerdotes da lei, magistrado e filósofos, que prostituíram sua almas por mais baixo preço;contudo, ainda não lhes vi os acusadores. A hipocrisia costuma campear impune, enquanto se atiram pedras ao sofrimento, João, o mundo esta cheio de túmulos caiados .A Divindade, porem, é o Pai de infinita justiça que aguarda seus filhos pródigos em sua casa. Poder-se-ia desejar para a pecadora humilde tormento maior do que aquele a que ela própria se condenou por tempo inderminado?Quantas vezes lhe faltou o de comer ou a manifestação de um carinho sincero á alma angustiada?Raras dores no mundo serão idênticas ás agonias de suas noites silenciosas e tristes.Esse o seu doloroso inferno, sua aflitiva condenação.
É por isso que não condeno o pecador para afastar o pecado e, em todas as situações, prefiro acreditar sempre no bem, Quando observares, João, os seres mais tristes e miseráveis , arrastando-se numa noite pejada de sombra e desolação, lembra-te da semente grosseira que encerra um gérmen divino e que um dia se elevará do seio da terra para o beijo amoroso do Sol.


A Boa Nova - Humberto de Campos

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