Escrevendo com a alma
O resultado de escrever com a alma é um voo no vazio. Chego a essa conclusão quando, solitário, folheando um jornal qualquer, estou à privada em estado privado, exercitando a mais humana das humanas necessidades.
Com a vergonha encapsulada entre quatro paredes, espécie de dervixe em estado de repouso, posso pensar no assunto lenta e sossegadamente, entregue a consoladores flatos.
Dentre tantas conclusões, escrever com a alma significa arrancar a pele, chegar à alma em completa nudez, encarando os desafios da escrita, que são muitos, absolutamente sofridos. Ainda adolescente descobri que chegar à eficiência desejada o jeito seria deixar os paraquedas de lado e mergulhar no vazio, independente do que viesse a acontecer.
Inúmeras ocasiões fui de cara ao chão, como continuo indo, pois a procura do novo e do instigante é uma batalha sem fim. Uma das maiores descobertas foi concluir que o escritor é um suicida, o qual, frustrado por não haver chegado à alma, mata-se... Abstratamente, claro, afogando a frustração na bebida, nas drogas, ou nos braços de uma vagabunda qualquer cujos peitos sejam consoladores.
Tem uns que se matam mesmo, achando ser a forma mais rápida de chegar à alma.
Quando alguém me procura demonstrando desejos de escrever, respondo com enfado ser preferível fazer qualquer outra coisa, como escalar o Everest, por exemplo. Na certa ele chegará ao pico mais de uma vez, e como escritor, provavelmente, chegará à alma uma, duas vezes... Ou nunca.
O candidato à literatura me olha desconfiado, achando que estou mentindo.
- Sabe quantas vezes cheguei à minha alma? - pergunto ao infeliz.
- Quantas?
- Nenhuma. E se você me deixar em paz talvez eu chegue daqui a cinco minutos.
- É tão difícil assim?
- É mais fácil lamber o cotovelo.
O escrivão vai-se embora, deixando-me com a sensação de que, realmente, jamais chegarei à minha alma. Mas eis que, de repente, algo inusitado acontece. Um raio luminoso risca o negrume e o milagre ocorre. É por isso que temos de estar no lugar certo na hora certa. Caso contrário a sessão filosófica na privada não deu em nada.
Manoel Magalhães é escritor e jornalista
4 comentários:
Cara, belo texto! É isso mesmo. Poucos escrevem com a alma.
Meu caro, texto irrepreensível.
Breno
É isso ai mesmo. O bom leitor quando entra numa livraria sente que 1o% do queestá exposto nas prateleiras vale a pena. O resto alimenta uma bela fogueira.
Excelente texto Magalhães,cheio de alma como tua obra. Fico feliz que estejas escrevendo também aqui,o Fabiano tem um longo caminho pela frente, mas ele tem um bom mestre pelo jeito.
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