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quinta-feira, abril 14, 2011

Roseli D´arc



Roseli D´arc

Quando a vi naquela magreza mórbida, presumi que nada estava bem, uma nota musical desarmônica em meio aquela sinfonia ilusoriamente risonha. Pincei em meu pensamento, o tempo em que suas carnes eram mais cheias, e não havia muita beleza ao menos, havia uma vida que se expandia, um sorriso feliz, e claro, muitas fodas que sua profissão assim entende.

Ainda lembro-me dela com aqueles shorts em meio as suas fartas carnes, aquela bunda era uma ode ao sexo, um grito selvático de desejos, ainda que peidasse em minha cara, como já havia acontecido uma vez acidentalmente.

Senti-me agraciado para ser verdadeiro, nem incenso, perfume caros ou cheiros artificiais exóticos, sim o peido, o cheiro da vida interna, talvez soe triste a colocação, mas esse é nosso aroma interior, também fedemos por dentro sem artimanhas.

Nossa tentativa tateante, é arrancar de nossa própria carniça o elã, néctar, o suco divino, que não está nas batidas de nosso coração, ou nas entranhas de nossa mente, mas nos ecos destes, entre um hiato e outro brilha em silencio a vida.

Roseli não me reconheceu, e acho que não reconhece mais nada, nem a si mesma. Não a via mais como mulher, eram peles e ossos animados por olhos apagados como velas gastas, numa noite que não acaba. O sorriso havia desaparecido, dando lugar a uma tristeza funda, a derrota, a desdita o auto aprisionamento viciante de qualquer coisa. Não precisei muito tempo para constatar o que estava acontecendo.

Na Praça Coronel Pedro Osório, sentada naquele banco escondido em meio aos verdes do pau Brasil, ela sacou a pedra, a qual ela construiu seu castelo de ruinas, fiquei parado de longe, enquanto fazia o ritual, fumando a pedra. Não sinto pena, raiva ou teço comentários que julgam a situação, do alto de um púlpito imaginário e elegante, mar de facilidades ideais que com a vida não coaduna, mas que alisam nosso soterrado ego.

Entendi que por momentos, nos tomamos decisões em nossa vida, porem em outros, somos por ela levados, como um mar que adentra a terra, levando consigo tudo que encontra pela frente. Ora somos o mar, ora as vítimas dele, vítimas que vislumbram fragmentos de si, porem incapazes de domar a fera, a tempestade de emoções desencontradas, todas em busca de fim único, tornarem-se realizadas, inteiras, pungentes e coesas.

Muitas vezes para isso enveredamos por descaminhos, beijando espinhos, chutando pedras e machucando tudo a nossa volta. Muito me revoltei, ao entender isso assim, porem mais tarde, percebi que é um caminho meu e todos nós, uma inescapável trama que pode ou não nos levar a compreensão. Queria ter certezas que as coisas funcionariam como um relógio futuro, mas tudo é muito vaporoso, a neblina da verdade é assim.

Roseli agora parecia distante, com olhos semicerrados de um yogue maldito, mergulhado em si buscando o universo, o nirvana ou apenas afastando-se dali e daqui, deste denso mundo, que de uma maneira ou outra nos machuca e leva-nos a ferir. Fiquei ali um pouco, me deixei levar, oscilando entre um do passado distante, dos sorrisos francos de Roseli, a um presente duro de amarguras e fuga. Sabemos o quanto isso pode ser difícil, e em meu pensar, desejei que ela morresse suavemente, mas não no sentido hediondo da morte, mas que talvez alcançasse o paraíso, Eva, Madalena, Joana D`arc, Roseli e porque não?

A grandeza de cada um está no que pode oferecer, uns do seu nada oferecem integralmente, são infinitamente melhores, que aqueles que tendo tudo, oferecem migalhas que sobram.

A noite caiu naquela Praça Coronel, transeuntes surdos, mudos e cegos, Roseli em torpor, e assim a deixei, fui tentar encontrar meu pedaço de serenidade em outro canto, enquanto as buzinas dos carros impacientes tocam, passos apressados ferem a rua, a calçada rachada e suja, cães abandonados a si mesmos, e uma ultima olhada em Roseli.

Luís Fabiano.

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