" Trecho Solto...
“ Quem podia, vinha fazer os abortos no Rio, para
despistar. Mas claro, eu graças a Deus, não tive que fazer aborto e agora,
olhando para trás, vejo que Deus sabe mesmo o que faz, porque eu não dar para
mãe, ia ser uma mãe horrenda e talvez até comesse o meu próprio filho, conheço
uma meia dúzia de três ou quatro dessas Jocastas por aí, nada no mundo é impossível,
isso é até relativamente comum.
Como dizia o velho Matozinho, na faculdade, a verdade
dói, a verdade machuca, a verdade contunde, a verdade fere, a verdade maltrata,
a verdade mata – o velho Matosinho era um estilista baiano, no pioríssimo
sentindo da palavra, mas tinha obvia razão.
Como tinha razão Nelson Rodrigues: “se todo mundo
soubesse da vida sexual de todo mundo, ninguém se dava com ninguém”. A verdade
é essa, de vez em quando eu fico com ímpetos de sair vergastando os fariseus,
acho que é por isso que quero publicar este depoimento, já me quebra um galho.
Não vou dizer que seja comuníssimo mãe comer o filho ou
irmã comer irmão, mas que las hay, las hay. E los hay também, talvez até mais.
No interior do nordeste – por que não dizer do Brasil todo, e do mundo todo? –
de vez em quando prendem um, como sempre, pobre, e suspeito que é a famosa
ponta do iceberg, na verdade as ocorrências são muito mais numerosas do que se
imagina. Em relação a irmão, posso dar meu testemunho pessoal, eu comi muito o
Rodolfo, meu irmão mais velho, até ele morrer a gente se comia, sempre achávamos
isso muito natural. Evidente que é natural, a maior parte das pessoas passa
pelo menos uma fase de tesão no irmão ou na irmã, só que a reprime em recalques
medonhos. Nós não. Norma Lucia também não. Muita gente também não
Mas não era isso que estava dizendo, eu ia dizer que, se
houvesse mesmo feminismo neste país – feminismo sadio, não esta merda de querer
ser melhor do que os homens e apenas assumir o papel de dominador, como se para
descontar, burrice, burrice, uma tirania não justifica outra, burrice –
levantariam uma estátua para Norma Lucia, estabeleceriam uma Fundação Norma
Lucia, qualquer coisa assim”.
Extraído da Obra – A Casa dos Budas Ditosos - LUXÚRIA
Pagina 33 da primeira edição.
Autor – João Ubaldo Ribeiro.
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