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terça-feira, novembro 12, 2013

Muralhas Derrubadas e um louco



Muralhas Derrubadas e um louco

Tédio no apartamento, o trago de rum ajuda a dissipar as merdas existenciais... mas por vezes nada tem um sentido. Não faço o perfil exigente, que tudo tem que ser sempre igual. O contrário, quase nada deve ser igual...quase nada deve se repetir, sou o cão feroz atacando o tempo, sendo atacado por ele...e tal ímpeto me move.

É preciso haver uma guerra... é preciso afiar a navalha até o talo...é preciso forçar os ossos... até que eles vertam a alma... é verdade.
Me canso...da merda toda, decido sair para caminhar. O dia esta fudido...cheiro de umidade nas ruas, lama, dia ranhento. Gosto de dias assim... me parecem mais reais.

Não chove agora, eu nunca ando com guarda-chuva, gosto de me molhar...não tem problema é apenas agua.
Vou em direção ao calçadão. Mesmo os antissociais precisam ver gente de vez em quando. Pensei comigo: porra Fabiano... poderias estar em qualquer lugar agora? Onde tu gostarias de estar? Talvez na Índia? Que merda... Índia o caralho...gostarias de estar chupando uma buceta? Não... creio que não agora. Na frente de um rio calmo? Não... não queria estar em lugar algum...é.

Sigo meu caminho...traiçoeiro viver...pedras entoam sua música... e espinhos brilham a noite...como estrelas...sigamos em frente...mais um trago, mais uma tragada...mais um passo. Calçadão lotado, ando devagar.
Então encontro o Pablo, parecia meio estranho. A história de Pablo é curiosa, ele prestou serviço militar comigo. Era um grande cara, tinha um jeitão meio estranho... falava meio enrolado e durante o tempo que ficamos lá...ele sofria bullying, isso ajudava a piorar as coisas. Grandes merdas afinal... deboche, umas porradas não fazem mal a ninguém. Ele sobreviveu, mas ao que parece pirou depois.

-E ai Pablo...beleza cara? Puta que pariu quanto tempo...
-Elas estão vindo de novo...cara... tão voando na minha volta...eu preciso...eu preciso...eu preciso...

Puta merda...Pablo tava locão...pensei... se chapou com alguma coisa...tudo bem...todo mundo tem direito de ficar meio louco de vez em quando.

-Quem Pablo? Putas? Vagabundas? Que ta voando na tua volta...
-Abelhas verdes...Fabiano...algumas são cor de rosa...são as mais perigosas...

A cabeça fundida de Pablo. Ele era um motor com defeito...e olhava o vazio...com medo de abelhas que não existiam... temos medo de coisas que não existem?
Pablo se abraça em mim...como se olhasse através de mim, e minha memória mergulha na fenda de nosso dias de exército. Que merda...Pablo sorria feliz, Pablo falava coisas divertidas...e agora eu olhava o futuro...o presente...e Pablo não estava bem.

-Pablo... ta tudo bem cara...sou eu o Fabiano...calma ai... não tem abelha nenhuma...olha como eu to tranquilo...não to com medo...

Olhos e Pablo eram o espelho da maluquice. Sempre tantas perguntas...porque Pablo pirou? E sempre tão poucas respostas... a realidade existencial, de sobrevivência te obriga a criar muralhas para não enlouquecer...as muralhas de Pablo haviam caído.

-Fabiano? Não conheço Fabiano algum... as abelhas....as abelhas cara...te protege...

Começou a tapear a vento como se acertasse algo, pessoas nos olhavam... Pablo alucinado o que leva as pessoas a isto? Pablo sozinho caminhando no calçadão, mas não no calçadão, estava aprisionado em um mundo particular...não gostei de ver isso. Quem gosta? Porque diabos ele não estava com alguém? Família? Alguns hospital psiquiátrico?

-Pablo...Pablo...presta atenção...cadê a tua família? Quem cuida de ti? Onde tu estas morando?

Ele para de-repente como acionado por uma palavra chave, e as abelhas perdem a importância o seu semblante se fecha como uma tempestade feita de dor, então vai caindo lentamente como quem vai sentar no chão. Puta merda, tudo só piorava, me questionava porque havia saído de casa?

-Pablo tu queres dizer alguma coisa?

Ele me olha nos olhos, olhos injetados de lagrimas e num hiato de sanidade:

-Eles se foram...mortos, todos mortos...

O quanto daquilo era verdade? Mentira? Loucura? Mas a real é que senti uma dor em mim...como sinto quando algo é verdadeiro, não me engano.
Sentei no chão com Pablo, e ficamos ali em silencio um pouco, suas lagrimas eram dinamites acertando o chão feito de indiferenças... nisso um PM chega até nós...

-Está havendo algum problema aqui?

Não entendi...estávamos apenas sentado no chão.

-Não seu guarda... o Pablo aqui é um amigo e não ta sentindo muito bem...
-ok.

Pablo respira um pouco...e lentamente parece estar voltando a si.

-Pablo, tudo bem?
-Fabiano...eles morreram...eu estou sozinho...
-Pablo, estamos sempre sozinhos... o que tu vives só tu vives, ninguém vive por ti...

Vamos nos levantando em meio ao calçadão...
Calçadão cheio...
Calçadão vazio...
Tantas pessoas...
Tantos problemas...
Espelhos que cavalgam
Fulminando traços de humanidade
Tanta pressa
Ponteiro do relógio como homicidas do tempo
Meu tempo...
Teu tempo
Um cai
E outro também...
E nós um dia...
Chafariz de metal...
Lajotas sem flores
E tantas pessoas...
Lojas entupidas
E o brilho dos olhos de Pablo

Estamos em pé agora... Pablo esta mais calmo...não tenho vontade de falar mais nada...

-Até mais Pablo...
-Até mais...

Luís Fabiano.




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