Muralhas Derrubadas e um louco
Tédio no apartamento, o trago de rum ajuda a dissipar as
merdas existenciais... mas por vezes nada tem um sentido. Não faço o perfil
exigente, que tudo tem que ser sempre igual. O contrário, quase nada deve ser
igual...quase nada deve se repetir, sou o cão feroz atacando o tempo, sendo
atacado por ele...e tal ímpeto me move.
É preciso haver uma guerra... é preciso afiar a navalha
até o talo...é preciso forçar os ossos... até que eles vertam a alma... é
verdade.
Me canso...da merda toda, decido sair para caminhar. O
dia esta fudido...cheiro de umidade nas ruas, lama, dia ranhento. Gosto de dias
assim... me parecem mais reais.
Não chove agora, eu nunca ando com guarda-chuva, gosto de
me molhar...não tem problema é apenas agua.
Vou em direção ao calçadão. Mesmo os antissociais
precisam ver gente de vez em quando. Pensei comigo: porra Fabiano... poderias
estar em qualquer lugar agora? Onde tu gostarias de estar? Talvez na Índia? Que
merda... Índia o caralho...gostarias de estar chupando uma buceta? Não... creio
que não agora. Na frente de um rio calmo? Não... não queria estar em lugar
algum...é.
Sigo meu caminho...traiçoeiro viver...pedras entoam sua música...
e espinhos brilham a noite...como estrelas...sigamos em frente...mais um trago,
mais uma tragada...mais um passo. Calçadão lotado, ando devagar.
Então encontro o Pablo, parecia meio estranho. A história
de Pablo é curiosa, ele prestou serviço militar comigo. Era um grande cara,
tinha um jeitão meio estranho... falava meio enrolado e durante o tempo que
ficamos lá...ele sofria bullying, isso ajudava a piorar as coisas. Grandes
merdas afinal... deboche, umas porradas não fazem mal a ninguém. Ele
sobreviveu, mas ao que parece pirou depois.
-E ai Pablo...beleza cara? Puta que pariu quanto tempo...
-Elas estão vindo de novo...cara... tão voando na minha
volta...eu preciso...eu preciso...eu preciso...
Puta merda...Pablo tava locão...pensei... se chapou com
alguma coisa...tudo bem...todo mundo tem direito de ficar meio louco de vez em
quando.
-Quem Pablo? Putas? Vagabundas? Que ta voando na tua
volta...
-Abelhas verdes...Fabiano...algumas são cor de rosa...são
as mais perigosas...
A cabeça fundida de Pablo. Ele era um motor com
defeito...e olhava o vazio...com medo de abelhas que não existiam... temos medo
de coisas que não existem?
Pablo se abraça em mim...como se olhasse através de mim,
e minha memória mergulha na fenda de nosso dias de exército. Que merda...Pablo
sorria feliz, Pablo falava coisas divertidas...e agora eu olhava o futuro...o
presente...e Pablo não estava bem.
-Pablo... ta tudo bem cara...sou eu o Fabiano...calma
ai... não tem abelha nenhuma...olha como eu to tranquilo...não to com medo...
Olhos e Pablo eram o espelho da maluquice. Sempre tantas
perguntas...porque Pablo pirou? E sempre tão poucas respostas... a realidade
existencial, de sobrevivência te obriga a criar muralhas para não
enlouquecer...as muralhas de Pablo haviam caído.
-Fabiano? Não conheço Fabiano algum... as abelhas....as
abelhas cara...te protege...
Começou a tapear a vento como se acertasse algo, pessoas
nos olhavam... Pablo alucinado o que leva as pessoas a isto? Pablo sozinho
caminhando no calçadão, mas não no calçadão, estava aprisionado em um mundo
particular...não gostei de ver isso. Quem gosta? Porque diabos ele não estava
com alguém? Família? Alguns hospital psiquiátrico?
-Pablo...Pablo...presta atenção...cadê a tua família?
Quem cuida de ti? Onde tu estas morando?
Ele para de-repente como acionado por uma palavra chave,
e as abelhas perdem a importância o seu semblante se fecha como uma tempestade
feita de dor, então vai caindo lentamente como quem vai sentar no chão. Puta
merda, tudo só piorava, me questionava porque havia saído de casa?
-Pablo tu queres dizer alguma coisa?
Ele me olha nos olhos, olhos injetados de lagrimas e num
hiato de sanidade:
-Eles se foram...mortos, todos mortos...
O quanto daquilo era verdade? Mentira? Loucura? Mas a
real é que senti uma dor em mim...como sinto quando algo é verdadeiro, não me
engano.
Sentei no chão com Pablo, e ficamos ali em silencio um
pouco, suas lagrimas eram dinamites acertando o chão feito de indiferenças...
nisso um PM chega até nós...
-Está havendo algum problema aqui?
Não entendi...estávamos apenas sentado no chão.
-Não seu guarda... o Pablo aqui é um amigo e não ta
sentindo muito bem...
-ok.
Pablo respira um pouco...e lentamente parece estar
voltando a si.
-Pablo, tudo bem?
-Fabiano...eles morreram...eu estou sozinho...
-Pablo, estamos sempre sozinhos... o que tu vives só tu
vives, ninguém vive por ti...
Vamos nos levantando em meio ao calçadão...
Calçadão cheio...
Calçadão vazio...
Tantas pessoas...
Tantos problemas...
Espelhos que cavalgam
Fulminando traços de humanidade
Tanta pressa
Ponteiro do relógio como homicidas do tempo
Meu tempo...
Teu tempo
Um cai
E outro também...
E nós um dia...
Chafariz de metal...
Lajotas sem flores
E tantas pessoas...
Lojas entupidas
E o brilho dos olhos de Pablo
Estamos em pé agora... Pablo esta mais calmo...não tenho
vontade de falar mais nada...
-Até mais Pablo...
-Até mais...
Luís Fabiano.
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