Uma coisa é sabida: ninguém sabe de ninguém. Teus odores,
tuas intimidades, o que realmente pensas, sobre quem importa, qual a escala de
valores que aplicas a quem odeias, ou mesmo amas.
Tais coisas não me interessam na verdade. Não me preocupo
com nada, que não possa controlar, você vive, você aceita. Aceita o tornado, o
tsunami e o terremoto.
Me sinto tranquilo hoje, ainda lembrando das declarações
de Fred noites atrás. Puta merda, você nunca sabe o que esperar de alguém. Portanto
nunca se surpreenda com nada, isso é apenas humano, humana violência, humana
brutalidade, humano amor, humana raiva, promiscuidade, vícios, felicidade, paz
e nojo. Apenas humano, e esperado de qualquer um de nós, você também esta na
jogada.
Dias atrás eu estava no Bar do Sujeira. O trabalho havia
me exaurido, precisava de uma boa bebida, e jogar conversa fora com alguém, de
preferencia desconhecido. Me cansa gente conhecida, falam as mesmas merdas, e
são tão previsíveis como uma vela ao vento.
O Sujeira estava de mau humor, creio por causa da Rebeca
Sharon, que havia desaparecido com um cliente por muitos dias. Ela e suas
ambições eternas, queria se casar, queria fazer a cirurgia, e queria que alguém
financiasse isso aí... Sujeira não tem grana pra isso, sobre tudo para o
silicone nas tetas e na bunda. Puta que pariu pensei: depois que a Rebeca fizer
a cirurgia eu traço ela... Ri sozinho.
Minha mesa, minha ilha, meu feudo... Agora estava tudo
certo. Foda-se humanidade... eu quero mais escorregar em um mar de vomito.
Bêbados no balcão tomando martelinho, falando bobagens do
dia a dia. É isso, a vida perfeita. Lembro que as pessoas me perguntam, porque
vou nestes botecos decadentes... Eu faço a mesma pergunta para elas: porque vão
aos bares sofisticados? Talvez você não perceba é tudo absolutamente igual,
mesmas pessoas e até as mesmas bobagens. Se você duvida, um dia venho visitar o
“zoológico” humano... Vida perfeita! Mas no zoológico encontro seres de
verdade.
No rádio com algum chiado, tocava um cantor da antiga,
Nelson Gonçalves talvez, eu estava agora tomando uma boa dose de rum barato, e
as ideias começavam a se soltar do crânio... Fraquejando. Ótimo, me sentia mais
relaxado, pode me deixar morrer assim.
Então da entrada no estabelecimento, o Fred.
Um conhecido da noite, não chamarei de amigo... Para que
tudo fique claro. Fred é daqueles caras que fica um gente cara bacana quando
bebe, mas sóbrio é insuportável. Não estava a fim de papo com ele hoje. Mas
infelizmente como um ataque terrorista, ele vem, vem e senta-se a minha mesa
sem pedir licença. Deseducação é foda. Você pode me chamar do que quiser... eu
não me ofendo nunca, mas seja educado, a grosseria desperta em mim a ironia
explosiva.
Mas Fred é um cara de dois metros de altura, malha os músculos
diariamente, parece feito de aço, isso tornava tudo pior, treina boxe... Ou
seja, melhor não criar caso. Só fala de suplementação, proteína, anilhas, pesos
e bomba. Puta que pariu. Olhei bem pra ele, e parecia triste desta vez, arrasado
mesmo. Puta que pariu milhares de vezes. Pensei: qual será ladainha desta
noite?
Ele surpreendentemente pede uma “canha” pro Sujeira, e
então me olha diretamente:
-Cara, tu já amou na vida?
Pensei: esse orangotango vai querer o que, agora? Qual é
a resposta certa?
Respondi sem muita vontade.
-Muitas vezes... Sempre amo, embora deteste esta palavra...
amor é barbada.
-Para ser amor de verdade cara, só se ama uma vez... Eu
amo muito...
Aquele assunto não ia nada bem. Amor a meia noite... Com
um brutamontes... Já tive dias melhores. Onde estariam as putas da casa? Onde
estaria Jussara? Onde estaria Veridiana? Onde? As xoxotas de quarenta e cinco
reais?
Então aquela montanha de músculos começa a chorar como
uma criança. Tomei mais um gole de rum, e claro ri discretamente... Que seria
aquilo agora?
Ele chorava de convulsionar e sacodir até mesa... Mas que merda. Pensei: esse tá “embocetado”...
Amor não correspondido e a mentalidade estreita... é a pior combinação.
No bar todos olhavam para ele.
Mesmo o Sujeira estava surpreendido... Fred chorando era
uma aberração. Tive vontade de levantar na hora e ir embora, mas agora era
preciso saber onde isso iria dar... falei:
-Ei Fred... Calma cara... calma... Já sofri por amor também...
( mentira...nunca sofri por absolutamente ninguém... mas a mentira nos torna próximos
dos outros...)...acontece sempre “amigo”, não és o primeiro e nem ultimo...
Ele ergue a cabeça... e me olha nos olhos:
-Fabiano... eu nunca passei por isso cara...nunca... To
perdido...
-Então bem vindo Fred... a vida é assim... As mulheres
são foda... O que essa vadia te fez?
Ele me olha algo surpreso... Como se eu tivesse dito alguma
barbaridade. Então fala baixinho, mas nem tanto:
-Fabiano... Não é mulher... É o Xavier meu amor querido!
Foi como se uma câmera estivesse em “slowdown” e zoom, lento...
muito lento... Não diria que foi um choque, mas foi surpreendente. Então Fred o
porrador, gostava de dar o cu? OK ! Afinal o amor é cego mesmo, o cu é cego, e
todo mundo tem direito de amar como quiser...
Respirei fundo, mas o Sujeira parece que ouviu o que Fred
disse, tentou ser discreto, mas então caiu no riso... Que merda, a imagem que
fazemos das pessoas, as vezes nada tem haver com elas...
-Bom Fred, o amor é amor cara... Não interessa, temos
amor por peixinhos dourados, cachorros, gatos e tudo mais... mas o que
aconteceu com o Xavier então?
-Ele me disse ainda pouco, que esta apaixonado por uma
loirona lá da academia... E foi lá em casa e pegou as coisas dele... E se
foi... Deixou apenas um peso de dez quilos que compramos juntos... Aquele peso
era nossa aliança...
-Sei Fred... mas Fred...foi assim de-repente?
Fred agora parecia muito à vontade... E não lembrava em
nada o cara que gostava de encrencas, que falava de suplementos e dar
porrada... Parecia até humano.
-Fui notando o pouco interesse dele por mim, nos últimos dias...
Não transávamos mais... Não conversamos mais...
-É bem assim mesmo... Qualquer relação é assim...
Fred ainda chorava, mas parecia mais tranquilo agora.
No bar nada acontecia, Fred era a atração, até os bêbados
pararam para ouvir a sua historia... Então num acesso talvez de consciência do
que havia feito... Fred se transtornou,
e levanta aos gritos completamente insanos:
-Olha aqui seus merdas da porra... Se alguém falar algo
por aí... eu vou moer de tanta porrada... Tão entendendo? E olhem aqui... Seus
perdedores da porra... Sou viado e isso não interessa a ninguém, viu seus
merdas?
Fred, ficou violento... Todos se assustaram... Sabem como
é... Bebidas, falar demais para estranhos é claro que da merda. Tomou o resto
da cachaça de uma vez só... E veio até mim:
-Fabiano, me dá um abraço aqui... cara tu me respeita
cara...
O abraço de Fred é como um trator passando no peito. Mas
que merda... Fred me larga, então pega o copo de cachaça vazio e joga na cara
do Sujeira... Que se desvia no reflexo... Então para empatar o jogo, Sujeira
imediatamente pega uma arma que estava debaixo do balcão... Apontando para a
cabeça de Fred:
-Faz de novo seu filho da puta? Faz de novo se tu tens
coragem seu merda...
Fui me sentando devagarinho... Deus...quanta merda para
quem apenas queria dar uma relaxada, e talvez bater uma punhetinha em casa... Bem
tranquilo depois. Agora aquilo... Fiquei tranquilo dentro do possível. Segui
bebendo.
Fred agora estava mais calmo... tinha as mãos erguidas e
sorria sem graça com voz fina... Sujeira estava transtornado também:
-Seu puto da porra... Sai do meu estabelecimento... sai
daqui...e não volta mais valentão de merda...arrombado...
Fred vai saindo devagarinho, e sai. O Bar volta a
calmaria. Dava para ouvir uma mosca copulando. Então Fred ressurge na porta,
colocando apenas a cara na porta e diz:
-Sujeira, isso tem volta...
Achei que havia sido aventura demais para uma noite. Vou
até o Sujeira:
-Que foi isso Sujeira?
-Isso é o horror da vida... To ficando velho para estas
merdas.
-Lamento brother...
-Ele não vai voltar... Quem faz algo, não avisa
-Também acho... isso já me aconteceu dezenas de vezes...
Paguei a conta e fui saindo devagar.
A noite estava molhada, sem encantos, a verdade parecia
um breu violento feito de paixão e insanidade... Talvez seja isso, a brisa nos
conduz a algum lugar, e nossos desejos se calarão quando dobrarmos a esquina?
Não sabemos de nada, não sabemos de ninguém, e ás vezes
nem sabemos de nós mesmos. Somos a construção sem planta, fazendo as mudanças
como a vida sugere... E o que ela irá sugerir pra mim esta noite?
Luís Fabiano.
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