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terça-feira, junho 05, 2012




Vastas Catedrais - Devassos Alados e almas de bronze

Tudo tem seu tempo... aceitando nós ou não. Diminutas formigas gritando no universo, a espera do melhor. Creio que todos somos assim, muito embora no talvez não percebamos exatamente o que seja o melhor.


Por vezes a vida esta nos presenteando com algo bacana... mas por aqueles velhos problemas que todos temos, e não percebemos, e ainda ficamos impondo nossas condições do melhor... é preciso ser mais tranquilo... relaxe.


Acabava de dizer esta frase pra Joana.
Ela não parecia estar numa boa. Nem sempre é preciso estar bem. Ela havia fumado três pedras e não falava coisa com coisa. Então veio pro meu lado. Eu estava sentando no Posto da Gonçalves Chaves com a Bento. Sento ali talvez pela minha afinidade com o nome. Por vezes se tem boas madrugadas ali... noutras seria melhor estar dormindo. Foda-se...


Eu conheci Joana nas andanças noturnas. Na época ela estava mais inteira... pegava leve. Dávamos boas trepadas bêbados, ela era habilidosa, gostava de putaria e restava no caos um pouco de serenidade.


Mas não sei o que as pessoas tem... são tragadas sempre para o pior... era bebidas no inicio... depois maconha... então veio o pó... o vicio... e o caos e tudo perdeu a graça. Agora não hesita em pagar um boquete por cinco reais ou por uma pedra.


Nada contra o boquete. Mas olhando pra ela... acho que eu daria cinco reais para ela não fazer o boquete. Não era mais a sombra da mulher que era, terrível o tempo.


-Fabiano... e aiiiii.... beleza cara?
-Sim Jô to tranquilo... aqui no frio... bebendo uma geladinha...
-Cara... bah tu é maluco com esse frio...
-Porra Jô... de perto quem é normal?
-O Caetano Veloso dizia isso né?
-É... acho que ele diz ainda. E ai Jo, qual é boa?


Fui perguntando assim... eu senti que ela queria algo, mas ela é uma maluca envergonhada. Vem se aproximando como uma espécie de cão humilde, então quando menos se espera vira um pitbull. Tava ligado na dela.


-É...é Fabiano, to precisando de uma força ai...sabe


Olhei para os olhos dela. Não parecia ter trinta anos... parecia ter sessenta. Cabelo em desalinho, dentes sujos, a cara desgastada por noite não dormidas, fedendo a fumaça, as roupas de puta caçadora, decotadas, minissaia, mas o sapato de salto era bonito. Sabem como sou, olhei para ela como se olha um precipício, a procura de algo que não deixe  você se jogar lá embaixo...


-Grana?
-Também... mas é que...
-Fala Jo... relaxa ai... a merda da noite ta boa... acho até que os anjos estão descendo do céu escorregando em um escorregador de merda...


Ela riu. Saio falando umas frases do nada as vezes. Talvez por ser minha diversão. Sou a paródia de mim mesmo, ecoando no chão a procura de diamantes. As vezes acho. Tava de boa.


-É Fabiano... assim... eu preciso de um favor. Faz horas que eu não vejo meu filho... sabe... ta na casa do pai dele... o cara diz que não posso aparecer por lá... por que se não me arrebenta...


Me sentia caindo num túnel. Era como se cartas estivessem sendo embaralhadas na minha cabeça... ela teria sorte? Eu a escutava, e por estas circunstancias misteriosas, meu coração amoleceu.


Não sou do tipo que alivia. Não foram poucas vezes que me disseram que eu não tinha nada por dentro... que era mais frio que iceberg e que eu não prestava. Não discordo de ninguém e não me defendo. Por vezes é exatamente assim. Não julgo a ninguém, não desejo nada, apenas ajo com meus instintos.


-Onde é?
-Lá no Dunas Fabiano... assim é rapidinho sabe... é que eu to com muita saudade, to sufocada... (correu uma lagrima)
-Tudo bem Jô, mas assim, vai ali no banheiro e te dá um jeito... por que com essa cara... tu vais assustar a cria...


Ela sorriu, aquele sorriso que lembra as boas coisas da vida. Foi no banheiro, e quando voltou parecia melhor, dentro possível. Paguei a cerveja e o kadett foi em direção ao Dunas na hora grande. Eram meia noite e um.
Joana foi indicando a situação, dobrando em uma quebradas sinistras, mas eu estava a vontade. Não sei exatamente o que pensava... acho que não pensava. Tem momentos que me deixo levar pelo que sinto. Então chegamos na casa. 


Ela bateu a porta algumas vezes. Estava ansiosa demais, não falou em crack nenhuma vez durante o caminho, alias não falou nada.
Então apareceu um cara enorme... um urso, o pai da criança, e já foi dando a letra:


-Porra Joana... que merda é essa? Essa hora aqui caralho? Puta que pariu hein... qual é, queres apanhar novamente é ? Puta... e esse magrão ai quem é? É teus macho, que vais trazer aqui?
-Calma Tonho... calma... eu queria ver o Pedro sabe...
-Porra e isso é hora? Tu ta loca? Não te falei pra não aparecer mais aqui... o Pedro tá dormindo e pra ele a mãe dele morreu... é uma puta viciada do caralho...


O cara fez menção de ir pra cima dela. Desci do carro. Naturalmente não brigo, violência é sempre o ultimo recurso. Normalmente passo por idiota, prefiro usar a cabeça que as mãos. Tais momentos são sempre evocativos. Lembro quando briguei a ultima vez... meu descontrole total... era o maldito tigre saindo... quase matei o cara literalmente... puta merda.


-Seu Tonho... boa noite – fui dizendo –Sei que é o avançado da hora. O senhor me desculpe...é que Joana tá tentando dar uma melhorada... e estava chorando muito... bem, não sei... se o senhor sabe como é? Sentir saudade... eu...
-E tu, quem é cidadão?
-Luís Fabiano... um amigo da família...
-Tu é macho dela?
-Não...hoje eu sou apenas uma espécie de taxista...
-Sei...


Então como se fosse um acaso movendo a vida. Os anjos ás vezes trabalham. Na porta aparece Pedro... esfregando os olhos... quando vê a mãe ele corre pra ela feliz de surpresa... puxa vida. A noite fica silenciosa, afagada por abraços e lagrimas. Joana sorri como qualquer mãe diante de seu filho reencontrado... e pra mim o tempo parou. 


Não discutimos mais. Tonho ainda olhava com alguma dureza... mas o amor nunca pede licença, vocês sabem como é...ainda que nada diga.
Tudo tão errado... e tudo tão certo. Eu me perguntava: o que seria depois?


Aquilo seria um marco pra um futuro? Aquilo era apenas uma foto instantânea de um momento feliz? Nunca há como saber, mas uma coisa eu digo... viva o melhor possível o que a vida oferecer, porque depois ou antes não importa.


Luís Fabiano.


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