Pesquisar este blog

domingo, maio 06, 2012



O Bar da Vermelha

Por vezes é bom sentir-se perdido. Um vacilo de vontade, uma vontade sem vontade... como um graveto jogado ao corrente de um rio. Ele faz o destino do rio, ora vertiginosamente, ora lentamente... essa é uma boa maneira de viver.

A sexta-feira não soprava merda alguma. Eu por minha vez... não estava preocupado. Tenho meus ritos quase sagrados de todo dia. Bebidas, xoxotas, a noite, e a volta solitário sempre... Para alguns não parece uma boa coisa, mas me sinto tranquilo. Tenho o que rio deseja... desejo o que rio quer... o resto é o resto.

Então como um raio, lembrei que a Andréia ( La Vermelha) estava reinaugurando o seu bar. Olhei para o alto... parecia que Deus estava de bom humor então... foi como encontrar a salvação. Você já se sentiu a salvo? É bom pra caralho não é? Mas uma coisa: nunca queira se sentir seguro demais... isso embota os sentidos e faz mal a alma...

A semana embora curta foi pesada de trabalho. Estava um pouco cansado, um bom cansaço. Então quando sai, fui pra casa dar uma calibrada no capricho. O rum dourado. Rum comigo sempre é um tiro no escuro: tem vezes que me excita, me deixando disposto a todas as porras deste mundo... doutras... me anestesia, mexendo com minha noção de tempo, um jogo sempre incerto, a roleta russa, eu giro o tambor e disparo contra minha cabeça... as vezes tenho sorte.

Em casa, três doses generosas depois, me sinto franco, e disposto. Pego o Kadett e deslizo pelas ruas de uma Pelotas possuída pelo demônio. Agitação de uma sexta quase meia noite. Eu de volta as ruas do Porto, eu e meu navio sem ancoras. Proximidades do Porto do Shop, enfiado em um rua estreita, lá estava o bar da Vermelha.

O cartaz de porta dizia: Estamos de Volta – Bar da Vermelha... sorri como um alucinado feliz. Bares para mim são catetrais, que jamais deveriam fechar, lá me confesso, me entrego e penitencio... uma multidão dentro também parecia fazer a mesma coisa. Encontrei velhos amigos de noite, e escolhi uma boa mesa.

Disse para um brother: porra isso aqui parece no melhor sentido de ser... um sanatório com as portas abertas... rimos. O politicamente correto estava fudido. Todos fumavam dentro e fora do estabelecimento... sem regras, um vagão a toda velocidade e sem freios... esse também é um bom jeito de viver.

A proprietária do bar ainda não havia chegado. Estava em casa se arrumando. A coisa foi ficando mais elétrica... o ar magnetizado... ao fundo a boa musica de um cara tocando MPB, porem não me perguntem no nome dele... não lembro. Teria apresentações de outros artistas pelotenses... dentre ele a Marcela Mescalina... que devido ao avançado da hora acabei não assistindo.

Fiquei ali um bom tempo... um cão observador a espera de nada, mamando a minha cerveja em uma teta de vidro. A criança risonha, na besta idiotice da vida em minha inocência sem véu...entre meus iguais... a vertente sebosa das alegrias...

Então como uma apoteose, a Vermelha chega... gritos, berros... delírio, era a chegada de Jesus a Jerusalém, o milagre estava feito, a multidão a espremia, talvez mais que um filho esperado, abertura daquele bar, era um filho coletivo aguardado... gestado nas entranhas da vida, com a porra de todos nós, os expectadores a espera do milagre.

Andreia entra... cumprimenta e abraça a todos, sem duvida em grande estilo... as vezes a vida vale a pena por isso... a festa segue vertiginosa como um sangue envenenado... eu não esperava mais nada.

Não iria assistir os shows sequentes... como uma gozada plena, depois tudo que se deseja é relaxar... me sentia tranquilo, invadido por uma paz que mesclava bebidas, silêncios e satisfação... o bar estava tomado eu quis ir embora... e fui.

Subi no carro e fiquei um minuto em silencio. O navio estava leve... eu torno ao rio, entrego a minha vontade.
Um cara bate no vidro, eu baixo, cuidador de carros:

-Consegue uma grana aí tio?
-Depende... pra que é? Se falar a verdade leva... senão...
-Bah tio, não é pra comprar pão não... é pra comprar uma bebida... eu quero é beber...

Já que não dava pra salvar o corpo... ao menos salvaria a alma... dei a grana pra ele... que sorriu como um feto de dentes cariados.

Deslizei pelas ruas de Pelotas... a Barroso, sorri pra mim mesmo. Creio que poderia morrer agora que tudo estaria bem. Mas cheguei em casa e adormeci feliz como um anjo de pau mole... não precisava de mais nada.


 
Luís Fabiano.



Nenhum comentário: