Bundas estelares e indiferença rasteira
Por vezes tudo que um homem precisa é, simplesmente uma boa bunda. Nada de afagos carinhosos, esperanças acendidas e palavras prontas, repletas devaneios: amo você, seremos felizes pra sempre, tudo dará certo, eu sei o que você sente... terrível é a sensação de agonia que a sonoridade destas palavras propõe, uma maldita canção silenciosa que vai se desgastando paulatinamente. No meu entender, não precisa haver nem sequer amor, apenas confiança, uma estrita e total entrega a confiança.
O resto é remediável, mas confiança não. A certeza absoluta que aquela pessoa a sua frente não irá te dar uma facada em algum momento da vida? Uma bunda e confiança, creio que isso seja o céu.
Não me prometa nada, não me diga nada a mais. Apenas esteja ali, quando toda a merda cair por sobre nós, quando os malditos ratos pularem para fora do navio, apenas esteja ali e me abrace.
Tais pensamentos me acalentavam, embalado por um grande copo de rum e um jazz melancólico, aquele que rouba as esperanças e ascende o lampejo de beleza na vida. Uma improvisação, enquanto minha solidão dançava com outras solidões daquele bar, sentindo me entorpecer lentamente. A vida ia se tornando um sonho nebuloso.
Isso foi até o pesadelo começar. Uma maluca, completamente desgovernada entra no Blue Bird, estava furiosa porque sua namorada estava lá, ficando com uma outra, gritos, empurrões e alguns tapas depois, a coisa tornou a acalmar, como um maremoto que deixa estragos. Aquela vagabunda havia me roubado algo que não tem preço, minha tranquilidade.
O maldito ciúme, coroe a alma lentamente, numa tentativa de nos dar um certificado de propriedade alheia. Nunca consegui entender isso, porque em minha vida nunca senti ciúmes, talvez nunca tenha amado o suficiente pra isso, ou porque simplesmente considero isso algo muito mesquinho em um mar de inseguranças. Tenho outas mesquinharias piores, mas essa não.
Onde esta estaria minha bunda, muda e encantada desta noite?
Não se pode ganhar todas, eu deveria ficar com meu rum e com o Black Verde (cigarros). Levantei para dar uma boa mijada, chego a porta do banheiro, duas machorrinhas, se beijavam freneticamente com muito desejo, quem não gosta de ver mulheres se beijando? A vontade é entrar ali no meio e fazer a festa com elas. Mas não, peço licença, e elas continuavam se beijando. Minha mandioca começava a dar sinais que estava gostando daquilo, por fim, me olham e ficam mal humoradas as cadelas.
O rum havia entrando cem quilômetros por hora, mijei o vaso todo, a vida não é fácil, mas eu não mijo sentado. Pensei comigo, olhado para meu membro: creio que esta noite amigo, será conosco mesmo, mas jamais ficaremos em zero a zero, fique tranquilo. Guardei o bicho e voltei pra minha mesa.
Quando todas as esperanças haviam batido em retirada, ela entrou puxando uma perna, com mais duas amigas, felizes e sorridentes, putinhas que vieram espiar o inferno e talvez dançar com algum vampiro?
O mundo é feito de plástico e vidro, as pessoas veem pessoas falsas pela televisão, sorriem em close e não tem cheiro de nada, parecem prontas e sem improviso. Então em algum momento sentimos sede de vida, uma vida real, que cheire como a vida, vivo movido por isso. Não me interessa a vida de plástico, quero o cheiro que vem da alma, ainda que feda, que o cheiro asfixie os anjos do céu, em uma maré de brutais aromas. É a vida batendo nos ossos de nosso esqueleto.
Não preciso dizer que a moça que puxava uma perna, me chamou atenção de cara. Uma simpatia carinhosa por um defeito a luz do dia. Gosto de defeitos físicos. Por vezes demoro muito para descobrir os defeitos alheios, mas eles finalmente se rendem em manhãs inesperadas.
No meu entender, ela era toda rara, uma ruiva de cabelos pelos ombros, seios fartos, uma barriguinha simpática das mulheres verdadeiramente gostosas, e aquela perna mais curta e fina e a outra maior e normal.
Meu filhodaputometro foi ligado no máximo. Elas se sentam próximo a minha mesa e ficam alegres, esperando que algo aconteça enquanto conversam asneiras, mas em noites de sábado as vinte e três e quarenta e nove, nada costuma acontecer. Fiquei olhando para a ruiva, fazendo um sorriso falso, misto de sedutor barato e andarilho em um deserto a procura de um oásis. A ruiva era meu oásis. Quando finalmente ela me notou, sorriu aquele sorriso das safadas. Olhei para o céu, creio que Deus estava acordado aquela hora.
Ficamos naquele cortejo silencioso, então fui até o balcão, quando virei de volta a minha mesa, a cumprimentei gentilmente, ali tudo ficou claro. Ela gostou, eu me sentei em minha mesa novamente, sorri e depois mostrei a ela o lugar vago. Ela veio depois de um tempo, incentivada pelas amigas.
Sentou-se com sua cerveja barata, e eu continuava no rum. Clarissa era interessante, um tipo de mulher vaporosa, que teme se congelar, que teme a vida, que teme chutar com a esquerda. A conversa flui bem, nada profundo, não estou disposto a filosofias aquela hora, gostaria de ser mais direto possível, mas infelizmente é preciso fazer a dança do acasalamento, coisas da natureza, aquele folclore todo, você conta umas mentiras, a faz sorrir, fala das coisas que gosta, inventa um assunto besta qualquer, quando tudo poderia simplesmente se resumir: vamos para algum lugar mais intimo, você abre as pernas pra mim e o mundo é nosso.
Mas não, as mulheres querem sedução, ainda que seja barata, mas querem. Em um dado momento, não resisti aquele papo furado e atraquei interrompendo-a:
-Clara meu amor, tenho uma ideia, que tal sairmos daqui, pudemos pular esta parte e nos deitar sem roupa por ai... você vai gostar...
Uma palavra como essa, não permite meio termo. Clara sorriu amarelo e foi muito educada, polida demais:
-Não, acho que não, porque nunca faço isso de primeira com alguém que não conheço... e além do mais nós já estamos indo embora... então desculpe.
Toda aquela polidez me era ultrajante, ela sentia vontade de dizer outras coisas, mas foi comedida, limpa como a bunda de um gato. E como vapor, ela se esfumou, deixando apenas na mesa um e-mail e um telefone:
-Fala comigo amanha ou outro dia... tá?
-Ok, boa noite.
Era uma da manha, os vampiros faziam a festa, uma humanidade naquele bar agora cheio. Pago minha conta para a atendente ou o atendente nunca sei, ele/ela é um enigma, que com uma voz grave e sorriso irônico vaticina:
-Não te desse hein Fabiano, hoje não tem jogo, tu és um otário mesmo...
-Vá se fuder porra, quando eu chegar em casa, dou uma boa cuspida na mão e sacudo bem a mandioca até ela cuspir leite... há, há, há...
-Vai à merda Fabiano...
-Já vou...
Ganho a rua o inferno dentro e fora de mim, uma avenida Bento Gonçalves grita musicas de todos os gostos, pessoas andando de um lado para o outro, gente bonita, gente feia, todos ali, eu não sei o que desejam da vida, mas eu sabia, queria minha cama e apagar como uma morte provisória, onde haveria silêncios, ausência e talvez alguma paz, afinal não é isso que todos queremos?
Luís Fabiano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário