Rebentos que afundam
Sempre fui homem de muitas mulheres, e por uma infeliz ou feliz imposição do destino, do caos, de Deus ou de minha vida dissoluta, também me tornei pai de muitos filhos abortados espontaneamente.
Controle sobre mim mesmo, nunca foi um dos melhores dons. Muitas vezes deixei-me arremessar, em relações fadadas ao fracasso total, fazia isso não movido por esperanças de felicidade suprema, amor realizado e alguma beleza natural que escapava, não nada disso. A maior parte das vezes, era simplesmente para ver a beleza de um navio afundando em alto mar. Ser engolido pelo poder do oceano, o tempo corrosivo tornando-nos melhores e ao mesmo tempo terríveis, a vida trepando com a própria vida.
Por fim tudo acabava em silencio mortal, o navio desaparecia como se nunca tivesse existido, e sempre terminou assim. Quando isso se tornou uma dinâmica em minha vida, naturalmente precisei aprender a endurecer por dentro, a trocar meu sangue por mercúrio liquido, minhas veias por dutos metálicos e meu coração ser revestido por uma liga de titânio. Não poderia sofrer indefinidamente pela vida a fora, fracassando sempre e sendo engolido pelos fracassos. Se assim fosse, certamente eu também engrossaria a fila dos terapeutas, salvadores de cosia nenhuma, com sua boca em formado de caixa eletrônico.
Quando Simone, uma de minhas amantes, sorriu aquele sorriso misterioso das mulheres quando escondem algo, percebi pelo cheiro que tudo estava errado. Meu cinismo sempre foi velado, minha ironia disfarçada para aqueles que amo, e meu olhar agudo punhal. Simone era a quinta amante na época, embora ela soubesse de tudo, queria tornar-se minha mulher, queria brincar de casinha. Queria que eu voltasse sempre do trabalho cansado, com algum problema na cabeça, que lhe falasse a respeito do meu dia, não bebesse nada e depois ao final de tudo isso, que deitássemos de concha e dormíssemos abraçados em um dossel de felicidade ideal. É claro que eu ria desta situação, deste sonho infantil. Por muitos motivos, tinha muito claro que Simone não era uma mulher esperta, nem dada leituras profundas ou a pensamentos volitantes, porem tinha um espirito vasto, pronto a entender, aceitar sua condição em minha vida, além do mais tinha uma boca milagrosa. Chupava meu cansado membro e ainda que tivesse destruído por cansaço, ela o fazia erguer para o céu, apontando para as estrelas. Depois disso montava nele e fazia tudo com muita calma. Simone era uma fudedora nata, depois de me ordenhar ferozmente e gozar também, calava-se e deitava ao meu lado. Muitas vezes desejei que minha vida fosse apenas isso, quando se fode assim, quase tudo a nossa volta parece se resolver sozinho, tenho esta impressão.
Quando cheguei do trabalho na sua casa, estava com aquele ar misterioso, me abraçou forte e com ternura, eu imediatamente pensei: puta que pariu, me fodi, antevendo o que viria:
-Fabiano, meu amor, meu lindo, meu gostosinho, fomos presenteados...
-Como?
-Parabéns amor, tu vais ser papai.
Aquilo me gelou a alma, causou-me uma espécie de horror, uma ojeriza dantesca, um enjoo e quase tive
vontade de vomitar sobre Simone. Lembro-me que fiquei paralisado, imaginando cenas posteriores, com Simone enorme, falando sem parar aquelas merdas que ela falava sempre, e por fim parindo um pequeno Fabiano. Senti-me jogado no inferno. Simone ria, achando que eu havia adorado a noticia, quando dentro de mim eu começava a revoltar-me, a sentir nojo que aquela puta tivesse engravidado, mesmo tomando comprimidos. Simone seria a última mulher do mundo com quem eu teria um filho, talvez nem com a última mulher do mundo. Ainda bem que a humanidade não depende de mim pra nada, estaríamos fadados ao aniquilamento.
Abracei-a com um pouco de ódio em meu peito, desejei que a vaca morresse, mas tudo ficou em silencio. Como toda e qualquer noticia nova, é preciso deixar que ela decante dentro de nós, que bata no fundo e a poeira se desfaça, ficando somente a realidade e nada mais.
A partir daquele dia fiquei mais calado, mesmo com uma tormenta em mim, ainda conseguia trepar com ela, talvez eu quisesse que meu membro converter-se em uma lança aguda... Naturalmente Simone notou minha distancia, isso foi começando a afundar de vez nosso navio carcomido:
-Porque tu não estas feliz com nosso bebê? Porque desde que te disse tu parece distante vivendo em outros pensamentos, tu não queria o filho? É isso? Diz pra mim...
Eu sabia que aquelas malditas perguntas iriam desencadear mais uma visita ao inferno. Mas por algum motivo me contive com falsa nobreza, não iria usar palavras ferinas para machuca-la, talvez aquele filho fizesse bem a todos nós? Não sei, mas não queria machuca-la agora, e nem traumatizar o meu rebento, respondia as perguntas evasivamente e a abracei, o abraço silencia duvidas e medos, acho que fiz certo mesmo sem a mínima vontade disso.
Relutante aceitei minha nova condição de pai, com quem aceita uma bastonada com braços e pernas amarrados. Aquela situação fez abrir um outro Fabiano, um que queria mesmo revoltado, o bem, que talvez se tornasse um pai bom. Num piscar de olhos, ela estava com três meses, e eu estava mais tranquilo na minha condição, agora foda-se Fabiano, relaxei. Estava no meu trabalho quando meu telefone toca, Simone do outro lado da linha as lágrimas:
-Ele morreu, ele morreu
-Quem Simone, quem morreu?
-O nosso filho morreu... tive um sangramento forte e ele se foi...morreu...
A notícia ao mesmo tempo em que me castigava, também abria invisíveis os grilhões, sentia minhas asas de abrirem para além da jaula, num misto de felicidade e dor. Fiquei triste com a notícia, mas para os homens três meses, a criança ainda não é nada, não dá tempo sequer de converter-se em pai.
-Onde estas Simone?
-Tô no hospital, daqui a pouco vou pra casa, comigo tá tudo bem.
-Então te vejo em casa hoje, pode ser?
-Sim pode.
Ela sabia perfeitamente que não era o dia dela, teria que ir casa de outra amante, mas aceitou minha mudança de planos com felicidade. Ao final do dia quando cheguei a sua casa, abracei com força e sinceramente, ela era toda dor. Aquele filho para uma mulher de trinta e seis anos era algo mais que esperado, um depósito de sua esperança, não em relação mim, mas a si mesmo, como mulher talvez, naquele instante mesmo com minhas asas abertas, contrapondo tudo que anteriormente havia pensado, desejei que nada disso tivesse acontecido, quis que a criança estivesse ali dentro dela, acalentada por uma paz que nem em sonho posso-lhe dar, quis depositar dentro dela novamente, aquele pequeno ovo fecundo que sonhava em tornar-se gente, talvez agarrar minha mão e jogar bola, esse era meu sentimento, a dor profunda e necessidade imensa de novamente renascer de mim mesmo, me reinventar.
Simone eu ficamos juntos um bom tempo, mas nosso navio apresentava ferrugem demasiada, tornar-se pesado demais para flutuar, e foi desaparecendo silenciosamente, sentia-me em paz agora, salvo por um Fabiano que existiu um dia, repleto de emoções suaves e pronto a tornar-se pai.
Luís Fabiano.
Irremediável paz que galopa adiante.
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