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domingo, agosto 11, 2013

Outro Pai




Outro Pai

A memória é uma lamina afiada as vezes. Uma benção outras... Mas naquela tarde simples, onde nada se espera, então o incomum vem a tona como um dinossauro em uma avenida feita de luzes.

Fui ao centro, tinha coisas pra fazer... Contas pra pagar, naturalmente não exatamente a coisa que gosto de fazer... Gente demais é algo insuportável, lugares lotados são um ralo entupido, nada flui. Deus, filas e mais filas... Quem inventou as filas? A natureza? Deve ter sido... Afinal tudo sempre é culpa da natureza de algo...ou do diabo.

Consegui me livrar de tudo que tinha que fazer. Achei que merecia dar uma volta devagar...deixando o carro na lenta. Estacionei no Quadrado. Lugar aprazível, onde as pessoas curtem e sentem a vontade.
Desci e sentei nos degraus... Olhando o São Gonçalo, tranquilo em suas aguas barrentas poesia impura de aguas inquietas, boa visão. O quadrado é o meu Malecom. É a vida se manifestando. Vejo que tem um senhor sentado ao longe... Tem os olhos mergulhados na agua... e talvez a alma mergulhada no inferno... Parecia triste.

Não sou de me meter nas tristezas alheias. Já carrego as minhas, então fique tranquilo e seja feliz como puder. Sem muita explicação, sem analise, sem respostas embaladas a vácuo.
Mas a vida tem seu magnetismo. Ele levanta de onde esta depois de um bom tempo... E vem caminhando em minha direção.
Pensei: puta merda... Esse cara, com aspecto de sujo... E mal encarado... vem pra cá... Qual será dele? Pedir dinheiro? Me assaltar? Vá saber...

Deixei estar. O ser humano tem de estar preparado pra tudo... Para o melhor e para o pior. Você esta? Quem já perdeu algumas vezes sabe como é...
Então o velho sentou próximo a mim. Mais ou menos um metro e meio. O Cheiro que vinha dele, era o cheiro sujo... Um cheiro meio do esgoto, meio do suor, meio do sebo. Me sinto tranquilo, então ele me olha:

-É bonito aqui...

Sorri meio amarelo.

-É, bonito mesmo...
-Venho sempre aqui... Me faz bem...
-Eu venho as vezes... Bom pra pensar.

O senhor tinha voz firme... Grave como quem sabe o que faz. Quis explorar... Gosto aprender e todos tem algo a dizer, aprendi isso. Todos.

-Desculpe a curiosidade... Mas como porque o senhor chegou a este estado?
-Pobreza?
-Sim...
-Longa historia... Mas posso resumi: bebi e cheirei tudo... Inclusive minha família.

Eis alguém com algo pra contar. Autenticidade custa caro... E algumas pessoas não estão dispostas a pagar. A exposição o preço radical, de ser o que se pensa... E agir com instinto. Seus olhos brilhavam...

-Boa historia. E agora?
-Agora... ( olhou para frente em direção ao São Gonçalo) agora eu olho...apenas...meus filhos não querem saber de mim... Ninguém quer saber de mim. Ta tudo bem, eles tem razão...
-Sei como é...

Na verdade eu não sabia como era. Minha intenção era talvez partilhar um pouco com ele... O peso da culpa. Já fiz merda... Alias já fiz muita merda em minha vida.

-Se pudesse mudar... Faria tudo certo?
-Não sei. Talvez fizesse de outro jeito... não comprometendo outras pessoas. 
E amanha dia dos pais... Eu gostaria de estar num churrasco com minha 
família... Gostaria mesmo.
-Não vai tentar?
-Pra eles eu morri... Já me disseram.

Não tive como não lembrar de meu pai, morto. Os valores são algo complicado. Eu lamentei... Me lamentei, parece que a vida passou tão rápido e então ele sumiu na curva da estrada... O encontrarei mais adiante? Não sabemos.

O São Gonçalo corria... Testemunha barrenta dos destinos... Tarde morrendo, o tempo nos consumindo... não teria como solucionar o problema dele... E nem ele o meu.

-Como é o teu nome?
-Antônio... prazer.
-O meu é Fabiano... Prazer... lamento isso tudo, mas acho que amanha... Sabe como é, dia dos pais... Dia comercial como dissemos por ai... Sei lá... Busque seus filhos... Tudo muda... Afinal quem não faz merda na vida?
Antônio me olha... Sorri sem graça...

-É... quem sabe.

Não fiquei muito ali muito, desejei sorte e fui embora, o São Gonçalo ainda corria e a noite chegava.

Luís Fabiano.



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