Bunda linda e olhos horríveis.
Isso me acontece ás vezes.
Mergulho na noite, e ela me engole. Ou então saio com alguém,
e por motivos aleatórios a minha vontade, acabamos nos perdendo por aí. Então
volto sozinho, ou com alguma desconhecida pendurada. Num jogo zero a zero
comigo mesmo.
Cris me telefona e quer sair. Acha que sou boa companhia.
Eu não me acho boa companhia, mas engano bem. Pago o preço. Temos essa parceria
informal. Um bom jogo aberto. Faça o que você quiser, e eu também. Eventualmente fazemos um encontro de
intimidades.
Você me satisfaz, eu te satisfaço, trocamos algumas
risadas, caricias avulsas e tudo certo. É tudo tão limpo, tão nítido, tão
asséptico que chega a dar nojo.
Ela queria manter as emoções distantes. A entendia bem.
Feridas frescas. A mulher que ela amava decidiu mudar tudo. Eram amigas,
amantes confidentes e tudo mais. Uma poesia feita de confiança e cumplicidade
lírica, quase ideológica. Cris se entrega a emoção. A emoção a guia, a emoção a
destrói, a emoção lhe coroa.
Custou muito a abrir-se novamente. Queria voar, mas suas
asas emocionais se abriam dentro de uma jaula. Tudo era lembrança de Gení.
Mesmo quando olhava para mim ou para outra mulher, ou para os restos dela que
ficaram pela casa. Cabelos no pente antigo, a caneta sem tinta, a calcinha
esquecida.
Aceitei o convite de sair. Nada a perder. Iríamos cumprir
o script mais ou menos decorado. Beberíamos algo, então vagaríamos nos bares de
Pelotas. Nômades de um deserto escuro, almejando estrelas. Numa noite de terça
feira? Como costumo dizer, depois da meia noite pouca coisa pode ser boa.
Depois da Avenida e meia dúzia de cervejas, acabamos parando em um pequeno
inferno nas proximidades do porto.
O lugar não tinha nome. Não vi escrito. Pessoas sentadas á
porta tomavam cerveja. Lá dentro um pequeno grupo tocava uma musica. Num idioma
que mais parecia espanhol. Achei aquilo perfeito. Não sabia se eles não
cantavam direito, ou eu que não estava escutando bem. Bebida demais creio.
Ali todos estavam muito altos. De tudo e todas as coisas.
Misturas. Fomos entrando e sentamos em uma mesa. Cris estava solta. A bebida
havia lhe afrouxado o cérebro e outras coisas também.
A parca iluminação do local dava-lhe um aspecto
espectral. Sob tais circunstancias tudo
fica parecendo oque não é. O belo se oculta o terrível torna-se brando, os
dentes menos afiados.
Pedimos outra cerveja e seguimos a brincadeira. Cris vai
ao banheiro. Fico olhando para ver o que pode sobrar para mim. Gosto de todo
tipo de refugo. Fico olhando o vazio. Começo achar que não foi uma boa ideia
ter saído aquela noite. Cris demora demais no banheiro, alguma coisa estava
acontecendo. Fui lá conferir.
No balcão do bar uma mulher. Cinquentona, bebia vodca
abandonada. Tinha olhos sombrios e esmeraldinos. Olhos sem luz . Sempre pensei
que olhos verdes, deveriam ser lindos, maravilhosos e brilhantes. Não. A vodca
pela metade, ela pela metade. Olhei com olhar de vampiro. Ela parecia fácil,
parecia entregue a si, poderia entregar-se a mim também. Vestia preto e tinha cabelos prateados. Quando
passei, sorri malicioso. Ela retribuiu.
Quando chego perto do banheiro encontro Cris se amassando
com a mulher dos seus sonhos. Como todo idiota previsível, meu primeiro
pensamento. Iriamos transar os três. Eu e duas mulheres, noite interessante e
perfeita, me animei.
Decidi voltar para mesa e esperar os acontecimentos. Em
alguns minutos, Cris volta dizendo que estava indo embora. Que uma tal de Adriana a iria levar não sei
pra onde.
Apenas disse tchau e boa noite?
Que merda. Era preciso ter um plano B. Salvar o resto da
minha noite, para noite não tornar-se resto de mim.
Notei que a cinquentona sorria junto ao balcão. Acenei
com copo para ela mostrando o lugar vazio. Ela veio rápida, pude olhar o talhe
de seu corpo. Uma figura delgada. Usava uma destas calças folgadas demais no corpo.
Debaixo daquilo, tudo era um mistério.
Então:
-Sozinho?
-É, agora estou.
-Eu também. Quer dizer, tenho só a vodca aqui.
-Acho que deveríamos juntar nossas solidões.
Ela sorri. Nunca foi tão fácil. Gosto de coisas
descomplicadas. Ela não queria ouvir histórias eu tão pouco conta-las. Se
tivesse que fazer o conto da carochinha para leva-la para cama, certamente eu
iria embora só. Como sempre.
Fiz um carinho no seu rosto, entre os cabelos e a beijei
nos lábios, suavemente. De perto seus olhos eram sem vida.. Mas não iria
investigar nada. Não hoje. Tudo que se tem é o momento presente, sua
intensidade, sua gloria, seu desastre. Quando remexemos o interior do ser
humano, muita coisa vem a tona. Mas viria a tona em uma madrugada de
terça-feira? Não.
Terminou a vodca e fomos para o motel sem escalas. Ela
despia-se com graça. Devagar e bêbada. A
pele muito branca, lembrava a neve diluindo-se.
Quando peguei a bunda, era de mármore de Carrara, gelada
e branca. O inverno de nossas vidas. Sua melhor qualidade. Melhor de tudo que
eu tinha.
Nos abraçamos usufruindo um do outro. Não sabia nem seu
nome. E ainda bem que perguntei quando estávamos nos vestindo para ir embora. Ela
tinha o nome de minha vó. Georgina? Nossa. Transei com a minha vó. Bom, agora
já tinha. Em um ultimo relance ela me olha de lado. Aqueles olhos apagados eram
nada perto daquela bunda linda. As vezes é assim. As pessoas têm corpos mais
lindos que suas almas. É tudo que se pode ver.
Luís Fabiano
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