Francisco, Getúlio, Suzana
e eu.
Por vezes você se cansa de
pensar em si mesmo. Talvez por influencia de uma leitura, que estava fazendo no
momento. Por vezes movido pela passionalidade, mergulho fundo... Tento ser o que não sou.
A sombra em um meio dia,
tentando imitar o sol... O sonho, o devaneio repleto de visgos de baba. São Francisco
fazia em mim um desejo violento de ser bom... Uma bondade idealizada, em um sentido totalmente
desprendido. E nisso sempre creio. O amor é um movimento livre... Apenas de
ida... Se ele precisar de volta... Ainda é um amor pequeno, um amor anão... Um
meio amor ou troca de favores.
Deixava-me levar por tais
pensamentos. Eram tão dignos que nem sequer me reconhecia. Um espantalho tendo
sonhos humanos. Havia em mim um pouco de inocência estupida. Todos temos
direito.
Foi assim que deixei o
livro descansando sobre a cama. E fui em direção ao asilo, um deposito de
humanos um ferro velho de almas, isso, tentaria exercitar o que havia lido lá.
Estava eivado de
Francisco... E tinha tanto que se podia
fazer por aqueles que não conhecemos? É fato. Era um domingo como este, o sol
brilhava limpo e tudo que eu queria é ser bacana com alguém... Sem querer nada secundariamente. Queria sentir
o que Francisco sentiu... Pretensão? Talvez... Mas como uma droga eu queria essa sensação.
Conseguiria? Não sei. Só querer por vezes não basta, outras coisas ocultas
pesam na balança.
Cheguei ao asilo. A frente
silenciosa era a face cansada de quem passou pela vida e agora quando teria tanto
a dizer... E ninguém para ouvir. Uma senhora vestida de freira que estava a
porta, me questiona:
-Pois não senhor?
-Vim visitar os senhores
deste local...
O olhar dela percorre
minhas roupas, franzi a testa numa desaprovação... Nítida, mas deixa-me entrar.
Afinal os lugares temem tudo... Minhas
intenções não tem um cartão de visita. Aquilo não me caiu bem. Entrei e deixei
a velha para trás, e sua cara feia.
E agora Fabiano? Pensei...
Como conversar com alguém que você nunca viu? Mas ouvindo a minha voz
interior... Como dizia Francisco, me sentei em um dos muitos bancos disponíveis.
Era preciso observar o ambiente. Senhores e senhoras andavam por ali... E não
conseguia captar a felicidade. Afinal a historia era real. Eles viveram um
tempo de uma vida ativa, trabalhando cuidando dos filhos... E agora não havia
mais espaço para eles? Os filhos de alguns os havia jogado lá... Ficaram com
suas casas e salários? Ninguém sorria lá. Fui tomado por esta energia.
Pensei em mim... Pensei no
futuro... Pensei que talvez algum dia se iria me tornar velho... E o que seria?
Realidade afiada transpassando a alma... Eu teria coragem de ficar assim?
Digo... De permanecer vivo? Não sei. Não sei.
Estava perdido em meus
pensamentos, sentindo o cheiro daquele lugar, que embora limpo, tinha um cheiro
antigo, carregado, cheiro do tempo algo parecido com livros úmidos.
Então um senhor se
aproximou de mim... Sentou-se, e tinha um ar leve. Alguém estava sorrindo
então:
-Boa tarde pra você – ele disse.
-Boa tarde pro senhor também...
Houve um silencio, como se
as energias precisassem conectar-se... em algum lugar de nossas almas.
-Nunca o vi por aqui... E
você, acho que não frequenta muito né...
-É verdade... Mas hoje vim
a aqui... Para conhecer...
-Mas que bom... Que bom...
Como você se chama?
-Fabiano... Muito
prazer... Senhor?
-Getúlio... Como o
ex-presidente... Mas ele não teve tanta sorte...
-Seu Getúlio... Desculpe a
curiosidade... mas como o senhor veio parar aqui?
-Longa historia filho... longa...
Mas eu posso dizer que não havia mais espaço pra mim... Na vida dos meus filhos
e parentes... Então aqui estou.
Engoli em seco. Por vezes
os espaços são roubados, por vezes não servimos para mais nada... Então é
preciso um deposito. Ele seguiu:
-Bem... Acho justo para
ser sincero com você. Eu detestaria estar atrapalhando a vida de meus filhos...
Nunca seria um estorvo em suas vidas. Depois que a falecida se foi... Bem tudo
ficou com pouco sentido. Mas tudo bem... É o que Deus quer.
A esta altura, meu coração
estava apertado. Não sabia exatamente o que dizer... Mensagem e otimismo? De
onde... Deus quer?
-O senhor amava a sua
esposa?
-Nossa... Difícil de
explicar... Era o amor da minha vida... Minha única mulher... nunca tive outra.
Minha primeira mulher em todos os sentidos entende? Namorada... na cama...na
vida... Éramos um do outro...
Os olhos dele se encheram
de lagrimas. Minha pergunta errada. Pedi desculpas.
-Que nada filho... que
nada... São lembranças de um velho bobo...
-Não me lembro de ter
amado assim na vida... A ninguém...
-O amor é que nos
escolhe... As vezes é uma questão de tempo...
-E hoje seu Getúlio... O
que o senhor deseja na vida?
Ele olha para o alto... Seus
olhos brilham como estrelas cintilantes em uma noite límpida, ele torna a
sorrir com suavidade... e diz:
-Não desejo nada mais aqui,
desta vida filho... Quero que o dia... Que Deus resolver me levar daqui... Que
eu possa apenas tornar a encontrar a Suzana... Isso seria a melhor coisa... Não
quero mais nada deste mundo...
A resposta dele encheu o
ambiente de luz... eu me senti bem, ele também. Então ele se levantou dizendo
que iria tomar café... ele só servem agora, se perdesse... Que na semana próxima
quisesse aparecer... ele estaria ali...
Agradeci e o seu Getúlio,
se foi. Levantei... e passei na frente da capela vazia... Aquelas imagens pareciam
sorrir... Fui embora.
Na semana próxima,
voltei... Quando entrei na porta a freira mal humorada me recepcionou, da mesma
forma. Quem disse que estar perto de Deus, deixa as pessoas melhores?
Entrei, e sentei no mesmo
banco. Fiquei observando. Mas desta vez nada aconteceu... o seu Getúlio...não
apareceu. Então como antevendo o que viria... Perguntei para uma das
enfermeiras...
-Por favor, senhora... O
Seu Getúlio... Onde esta? Tá doente?
O rosto dela traduz certa
tristeza.
-Lamento... Mas seu Getúlio
faleceu na noite do domingo passado...
Fiquei em silencio. Ela se
foi para suas atividades. Pensei em Francisco... Pensei em meu querer... Pensei
o quanto a vida é o que é... Deixei uma lagrima escorrer.
Por fim lembrei-me da
primeira e ultima conversa que tive com seu Getúlio, falei sozinho:
-Seu Getúlio... Que possa
ter encontrado a dona Suzana...
É, acho que sim.
Luís Fabiano.
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