“ É outono no meu segundo ano em Paris. Não tenho idéia do
motivo por que me mandaram para cá.
Não tenho dinheiro, recursos nem esperança. Sou um o
homem mais feliz do mundo. Há um ano, há seis meses, achei que era artista. Não
acho mais, eu sou .Tudo o que era literatura se soltou em mim. Não mais livros
a serem escritos, benza Deus.
E este aqui?
Este não é um livro. É uma difamação, uma
calúnia, uma falta de caráter. Não é um livro no sentido comum da palavra. Não,
este é um longo insulto, uma cusparada na cara da Arte, um chute na bunda de
Deus, do Homem, do destino , do tempo, do amor, da beleza, do que você quiser.
Vou cantar para você, meio desafinado talvez, mas vou. Cantarei enquanto você
grasna, dançarei em cima do seu cadáver sujo.
Para cantar, é preciso abrir a boca. Precisa também ter
dois pulmões e conhecer um pouco de musica. Não precisa ocordeão ou violão.
O importante é querer cantar. Portanto, essa é uma
canção. Estou cantando.
É para você, Tânia que estou cantando. Gostaria de cantar
melhor, ser mais afinado, mas ai talvez você quisesse me ouvir. Já ouviu os
outros cantarem e não se emocionou? Cantavam bem demais ou não muito bem.
Hoje é dia vinte e poucos de outubro. Já não sei direito
os dias. Você diria que meu sonho de 14 de novembro passado permanece? Há
intervalos, mas ficam entre sonhos e não consigo lembrar nada sobre eles.
O mundo esta se dissolvendo, deixa aqui e acolá manchas
de tempo. O mundo é um câncer que esta se comendo... Acho que quando o grande
silencio baixar sobre tudo e todos, a musica vai finalmente vencer”.
Extraído da obra: Trópico de Câncer – Henry Miller.
Nenhum comentário:
Postar um comentário