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sexta-feira, março 15, 2013





Paz vacilante, Marião e uma ratoeira...

Por vezes a beleza tira férias. O que sobra são os farelos das sombras, como quem deseja alimentar os próprios demônios, com isso, como o próximo capitulo do destino. Ninguém é melhor que ninguém, e eu estou longe de ser um humanitário de carteirinha.
Estava em paz, tem dias que as coisas são mais tranquilas, menos dores, menos incomodações ,é fluir, como quem surfa, a vida te leva, e o resto fica bem...

Estou na janela do Ap, olhando para baixo. Sem camisa, um copo de rum na mão, noite tranquila, a temperatura baixou um pouco, porra isso é maravilhoso. Penso em um paraíso, com uma temperatura perene, primavera ou outono eterno, isso seria perfeito.
O rum desce como um néctar, a bebida da redenção. Isso é bom, acho que hoje nada vai acontecer. Nem mulheres, nem bares, nem a minha volta nas madrugadas de uma Pelotas adormecida, não, hoje não.
Uma ambulância passa gritando o desespero, a urgência, uma vida que vem ou vai... Vá saber? Ela dobra a esquina e desaparece. Sirvo mais uma dose caprichada de rum.

Então como um raio no deserto, o celular toca e acende. Ri sozinho, a paz ao que parece nunca é tão duradoura assim. Os seres humanos não foram constituídos para terem paz eterna. É, nada disso.
Era o Mário. Mas o Mário me ligando as duas e quarenta e sete da manhã? Mário é um brother e amigo não muito próximo, usa cadeira de rodas, as pernas não funcionam bem, tivemos bons papos, gosta d noite. Atendo:

-Fala Marião... O que manda há essa hora meu brother?

Ele respira forte no telefone... Parece com algum problema... Me preocupo.

-Marião... Fala cara... Tudo bem aí?

A voz meio rouca e sonolenta se manifesta:

-Fabianooooo... Fabiano... Me ajuda cara... To mal...
-Marião... Que houve? Tu tá bem?
-Fabiano... Eles me roubaram cara...
Entendo.

Marião gosta de algumas funções. Sabem como é: mulheres, putas, travestis, amor barato, diversão com bebidas e drogas, é o gosto de cada um. Não me preocupo e não julgo nenhuma situação, uns preferem dormir outros não... Fique a vontade.

-Ok Marião calma aí, tenta ficar tranquilo, vou dar um pulo ai... Pode ser? Serve?
-Bah Fabiano... Te agradeceria... por favor...
-Chamo a policia, ambulância, tá ferido?
-Não... não... Cara... Policia não... Não quero virar noticia, não to ferido eu acho...
-OK.

Desligo telefone e me dirijo para o centro da cidade. Marião mora perto da Osório, numa casinha pequena, mas muito aconchegante, bem organizada, mora sozinho. A família deu um delete nele, por não aguentar as funções de drogas, putarias e um humor bipolar. Grana não é o problema, tem um carro adaptado, a casa é funcional, e ao que parece as pernas não funcionarem não impede ele de fazer nada.

Chego lá, a porta da frente esta aberta. A adrenalina sobe as ganha... E se tiver algum filho da puta ai dentro?
Mas o Marião não iria ligar se os caras estivessem ali... Entrei meio que dando uma super homem, meu dia de herói. A casa tem um cheiro estranho... Um cheiro de banheiro, cheiro de merda e mijo... Começo a gritar o nome de Marião:

-Marião...  O Marião... Tu tá aí cara? Onde estas?
Escuto a voz abafada na porta fechada do quarto. Vou até lá... abro a porta, ele ta na cama... Peladão... Cagado e mijado... O cheiro forte vinha da li... Tem o telefone nas mãos... Parecia estar a horas ali jogado. Era o quadro do terror.
-Fabiano... To com muito frio cara...
A cama esta molhada... Gelada, que situação . Não tenho nojo... Quem já trabalhou em hospital decididamente eu não tenho nojo de nada.
-Cara... Coloca uma coberta em cima de mim... que vergonha... Os putos me roubaram... To com frio...

Marião era um rato agora... Quis pegar o queijo da ratoeira...  Ese fudeu. Esse é o mundo, você facilita... É currado pelo exército de israel.
Abro um armário... Tudo esta meio revirado...  Acho um cobertor, coloco sobre ele... E o ajudo a ficar sentado na cama, quero saber o que aconteceu, mas ele treme de frio.

-Marião quer um chá quente?
-Sim sim... Por favor.

Nunca tinha visto Marião assim. Ele já havia sido enganado por garotas ou travestis de programa. Algo assim. Isso faz parte do jogo.
Vou até a cozinha, esta desarrumada, louça suja na pia, baratas fazendo a festa. Todos tentam sobreviver. Coloco a agua a ferver, acho uns chás de saquinho... O chá fica pronto. A festa na casa de Marião foi algo desta vez.

Ele estava um pouco melhor. Entrego o chá... E dei uma olhada na casa, achei a cadeira de rodas no banheiro, jogada no chão, a banheira estava transbordando, o banheiro parecia uma guerrilha em aberto.
Puta que pariu... Volto para o quarto levando a cadeira de rodas:

-Marião... ta aqui o teu Camaro cara... Beleza?
-Pô Fabiano... Achei que ele tivessem levado a cadeira...
Marião parece um pouco melhor, mais aquecido, consegue sorrir sem graça.
-Marião...  Me conta a historia como se eu tivesse cinco anos? Que houve aqui cara?
-Uma festinha Fabiano... Uma festinha...


 Segue. 

Luís Fabiano.


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