Paz vacilante, Marião e uma ratoeira...
Por vezes a beleza tira férias. O que sobra são os
farelos das sombras, como quem deseja alimentar os próprios demônios, com isso,
como o próximo capitulo do destino. Ninguém é melhor que ninguém, e eu estou
longe de ser um humanitário de carteirinha.
Estava em paz, tem dias que as coisas são mais
tranquilas, menos dores, menos incomodações ,é fluir, como quem surfa, a vida
te leva, e o resto fica bem...
Estou na janela do Ap, olhando para baixo. Sem camisa, um
copo de rum na mão, noite tranquila, a temperatura baixou um pouco, porra isso
é maravilhoso. Penso em um paraíso, com uma temperatura perene, primavera ou
outono eterno, isso seria perfeito.
O rum desce como um néctar, a bebida da redenção. Isso é
bom, acho que hoje nada vai acontecer. Nem mulheres, nem bares, nem a minha
volta nas madrugadas de uma Pelotas adormecida, não, hoje não.
Uma ambulância passa gritando o desespero, a urgência, uma
vida que vem ou vai... Vá saber? Ela dobra a esquina e desaparece. Sirvo mais
uma dose caprichada de rum.
Então como um raio no deserto, o celular toca e acende.
Ri sozinho, a paz ao que parece nunca é tão duradoura assim. Os seres humanos
não foram constituídos para terem paz eterna. É, nada disso.
Era o Mário. Mas o Mário me ligando as duas e quarenta e
sete da manhã? Mário é um brother e amigo não muito próximo, usa cadeira de
rodas, as pernas não funcionam bem, tivemos bons papos, gosta d noite. Atendo:
-Fala Marião... O que manda há essa hora meu brother?
Ele respira forte no telefone... Parece com algum
problema... Me preocupo.
-Marião... Fala cara... Tudo bem aí?
A voz meio rouca e sonolenta se manifesta:
-Fabianooooo... Fabiano... Me ajuda cara... To mal...
-Marião... Que houve? Tu tá bem?
-Fabiano... Eles me roubaram cara...
Entendo.
Marião gosta de algumas funções. Sabem como é: mulheres,
putas, travestis, amor barato, diversão com bebidas e drogas, é o gosto de cada
um. Não me preocupo e não julgo nenhuma situação, uns preferem dormir outros
não... Fique a vontade.
-Ok Marião calma aí, tenta ficar tranquilo, vou dar um
pulo ai... Pode ser? Serve?
-Bah Fabiano... Te agradeceria... por favor...
-Chamo a policia, ambulância, tá ferido?
-Não... não... Cara... Policia não... Não quero virar
noticia, não to ferido eu acho...
-OK.
Desligo telefone e me dirijo para o centro da cidade.
Marião mora perto da Osório, numa casinha pequena, mas muito aconchegante, bem
organizada, mora sozinho. A família deu um delete nele, por não aguentar as
funções de drogas, putarias e um humor bipolar. Grana não é o problema, tem um
carro adaptado, a casa é funcional, e ao que parece as pernas não funcionarem
não impede ele de fazer nada.
Chego lá, a porta da frente esta aberta. A adrenalina
sobe as ganha... E se tiver algum filho da puta ai dentro?
Mas o Marião não iria ligar se os caras estivessem ali...
Entrei meio que dando uma super homem, meu dia de herói. A casa tem um cheiro
estranho... Um cheiro de banheiro, cheiro de merda e mijo... Começo a gritar o
nome de Marião:
-Marião... O
Marião... Tu tá aí cara? Onde estas?
Escuto a voz abafada na porta fechada do quarto. Vou até lá...
abro a porta, ele ta na cama... Peladão... Cagado e mijado... O cheiro forte
vinha da li... Tem o telefone nas mãos... Parecia estar a horas ali jogado. Era
o quadro do terror.
-Fabiano... To com muito frio cara...
A cama esta molhada... Gelada, que situação . Não tenho
nojo... Quem já trabalhou em hospital decididamente eu não tenho nojo de nada.
-Cara... Coloca uma coberta em cima de mim... que
vergonha... Os putos me roubaram... To com frio...
Marião era um rato agora... Quis pegar o queijo da
ratoeira... Ese fudeu. Esse é o mundo,
você facilita... É currado pelo exército de israel.
Abro um armário... Tudo esta meio revirado... Acho um cobertor, coloco sobre ele... E o
ajudo a ficar sentado na cama, quero saber o que aconteceu, mas ele treme de frio.
-Marião quer um chá quente?
-Sim sim... Por favor.
Nunca tinha visto Marião assim. Ele já havia sido
enganado por garotas ou travestis de programa. Algo assim. Isso faz parte do jogo.
Vou até a cozinha, esta desarrumada, louça suja na pia,
baratas fazendo a festa. Todos tentam sobreviver. Coloco a agua a ferver, acho
uns chás de saquinho... O chá fica pronto. A festa na casa de Marião foi algo
desta vez.
Ele estava um pouco melhor. Entrego o chá... E dei uma
olhada na casa, achei a cadeira de rodas no banheiro, jogada no chão, a
banheira estava transbordando, o banheiro parecia uma guerrilha em aberto.
Puta que pariu... Volto para o quarto levando a cadeira
de rodas:
-Marião... ta aqui o teu Camaro cara... Beleza?
-Pô Fabiano... Achei que ele tivessem levado a cadeira...
Marião parece um pouco melhor, mais aquecido, consegue
sorrir sem graça.
-Marião... Me
conta a historia como se eu tivesse cinco anos? Que houve aqui cara?
-Uma festinha Fabiano... Uma festinha...
Segue.
Luís Fabiano.
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