Esperanza, a luta de uma mulher
É estranho olha-la assim agora. Meio viva e ou meio
morta. Cara ou coroa entre os anjos e os demônios. Puta que pariu, essa é a
vida, digam o que disserem... Expliquem como quiserem, simplesmente por vezes,
e muitas vezes, presenciar certas coisas é...
Não sou bom de ver ninguém em hospital. Tenho mais o
perfil da visita inconveniente. Então eu prefiro esperar que a pessoa se
recupere, e que tudo esteja bem. Isso me faz lembrar de um amigo do passado, o
Cesar, que hoje nem sei se vive ou já morreu.
Ele sofreu um acidente de moto exatamente na minha
frente, o vi ser arremessado no ar, como uma lata de lixo e bater com o maxilar
no cordão da calçada. Não foi uma cena bonita. Lembro-me do sangue abundante.
Eu tinha por volta de dezessete anos. Quando fui visita-lo no hospital, ele já
estava um pouco melhor... mas muito arrebentado ainda. Ele me disse:
-Fabiano... tu viu tudo de pertinho... Que horror né
cara...
-Vi Cesar... vi...o cara veio, bateu na roda frente da
moto, e tu caiu todo arrebentado do outro lado...
Naquele instante os familiares dele me olharam... Como se
eu tivesse dito um palavrão? Bem... Foi constrangedor. Retirei-me o mais breve
possível. Agora era uma outra historia.
Conheci Esperanza a muito. Não posso dizer exatamente que
é uma boa pessoa. Mas se pensarmos bem... o ser bom é muito questionável. No
fundo não me interesso, apenas sabia que ela não agia legal com algumas pessoas
e era legal para outras. Não me importam os motivos dela... E afinal, cada
corcunda sabe como se deita.
Apesar da beleza rara, uma linda morena, alta cabelos
longos negros como um véu da noite... olhos esmeraldinos brilhantes, num corpo
delgado quase sinuoso, seios medianos... Ela fazia encanto onde surgia.
Muita beleza, você sabem como é... Todos querem consumir,
todos queriam come-la, a beleza é uma tentação e um sacrifício ao mesmo tempo.
Ela sabia disso. Então se utilizava disso, para seduzir... Conseguir o que
desejava e depois, lançava o cidadão ou a cidadã... Na lata do lixo, sem explicações,
sem nada... E tal comportamento, levava as pessoas vitimas, a um estado de
insanidade. Muitos queriam fazer mal a ela... Sei bem do que estou dizendo. Eu
parti de muitas relações sem dar qualquer explicação. Alias eu detesto
explicações... Nunca dou.
Minha relação com Esperanza se deu através de bares.
Ela sempre aparecia com alguém, então, a convivência
distante em ligeiros cumprimentos e depois ela passou a falar comigo. Esse
talvez seja o ponto. Eu não era o alvo dela... Não tinha nada a oferecer, das
coisas que ele desejava. Não tenho grana, não poderia dar-lhe viagens entre
tantas coisas que gostava... E pensando bem, não faria isso por buceta alguma.
Afinal a buceta é apenas um pedacinho de pele, não é ?
Ficamos amigos, dentro de uma sinceridade moderada.
Conversamos e talvez por conhecê-la desse jeito... A ideia do sexo nunca
pintou. Não gosto deste estilo. Prefiro as que têm a química da alma, coisa
rara. Nos dias que antecederam a cena do hospital, ela falou comigo:
-Fabiano... To pra dar um golpe dos grandes...
-Esperanza... Cuidado com isso... O maior erro do ser
humano é ambição, ambição fode tudo...
-Vou sair da merda geral... O velho vai passar tudo pro
meu nome facinho...
-Não te entendo Esperanza... Tu não precisa disso...
-Não se vive de amor Fabiano... Não mesmo. Quer dizer... Eu
não né.
Ficava olhando pra ela. Tenho me destreinado em
estabelecer essa fronteira do certo ou errado com os humanos. As pessoas fazem
o que fazem, e nós não somos exatamente santos.
-OK Esperanza... Brindemos então...
Tocamos nossos copos, e meus olhos viram aquele rosto
esculpido. Nem anjo e nem demônio, a flor carnívora, devorando a mosca, a teia
pronta para a vitima, a xoxota em forma de arma, carcamanos inocentes
fecundando ilusões, uma puta pegando fogo na esquina. Uma noite com Esperanza?
Não, jamais.
Esse foi nosso ultimo encontro.
Então ela desapareceu do bar. Mas o bar vocês sabem, o
bar é uma comunidade aberta, uma igreja informal daqueles que perderam a alma
ou encontraram. Cheguei e pedi meu rum de sempre. Então rapidamente o atendente
me disse:
-O Fabiano... Tu ta sabendo da Esperanza?
-Não, não a vejo há horas, deve ter viajado com aquela
moça italiana... Ela adora Roma...
-Porra Fabiano, onde tu andas cara?
Como que antecedendo a merda, senti algo oprimindo o
peito. Vladimir segue:
-Cara, ela teve um troço, tá hospitalizada em estado
grave na UTI... Os médicos dizem que é algo raro... E incurável... Ela tá
respirando por aparelhos... Tiveram que por um cano na garganta dela pra ela
respirar...
Eu me sentia atropelado por um caminhão em alta
velocidade. Coisa estranha. Talvez essa seja a coisa. Não desejamos o mal de
ninguém. E ironicamente, Esperanza agora dependia de Esperança. Vladimir estava
muito impressionado...
-Onde ela esta Vladimir?
-Na Santa Casa...
Olhei o relógio, eram duas da manhã. Não era exatamente
horário de visita. E naquela noite, eu segui bebendo, se a coisa era como
Vladimir havia me dito... Bem eu beberia por Esperanza.
No dia seguinte fui ate o hospital. Consegui entrar no
jeitinho brasileiro. E agora ali estava ela. Uma múmia despida, respirando por
aparelhos, a pele pálida. Pensei: onde estará a alma dela?
Então o medico bate no meu ombro:
-É parente?
-Amigo...
-O caso dela é grave... Ela tem ( ele disse o nome da
doença, mas é tão complicado que não gravei)...mas estamos fazendo tudo o
possível. Sabe dizer se ela tem um marido ou algo assim?
-Não...ela era digamos inconstante...
-Sei, bem agora o senhor vai ter que se retirar, ok?
Toquei a mão de Esperanza... Pela primeira vez, a mão
estava fria. Nunca pensei em comer Esperanza... nem tão pouco ter algo com
ela... Ela era tão intensa... Tão viva, agora isso. Fui embora.
Dias escorreram... ela estava na mesma. No bar, as
pessoas literalmente já a haviam matado.
Porem a vida anda. E nem sempre se perde o jogo...
Passados quinze dias ela volta. Nesses
mistérios que não se entende muito bem. Deus ou Diabo a expulsaram. Todos os
que voltam é por esse motivo. O medico disse que ela reagiu bem aos
medicamentos... Coisa rara. Vá saber.
Então o mesmo bar... Eu estava sentando ali... E ela entrou,
sorrindo da mesma forma, e disse:
-A defunta voltou...
Fiquei olhando pra ela... Estava magra ao extremo, mas
havia Esperanza ali.
Ela sentou a minha
mesa e como se tivesse ido viajar no feriadão disse:
-Tu tiveste lá né?
-Sim...
-Obrigada...
-Esquece... A vida segue Esperanza...
-É tens razão... Já telefonei pra Italiana... Ela quer ir
a Moscou... Eu disse pra ela que adoraria transar na Praça Vermelha com ela... E
que estou precisando de uns vestidos novos... Vou dar um golpe nela... há,
há,há, sabes como é Fabiano...
Meu olhar ganha o vazio, uma ampulheta que foi virada num
horizonte, um berro abafado, como a paz escrita num grafite dourado.
Luís Fabiano.
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