Sublime Violência
A glória a beira do abismo, a lama luminosa borrando as
estrelas, um vórtice de desejos lubrificados pelo bem e o mal, a virtude
corrompida, o vicio mais belo, a doença salvadora e a saúde devassada. Porra...
É a merda cintilante, e o amor mais profundo. Sinceramente não sei e nem quero
saber com precisão isso... Tal saber acaba com o mistério, e eu gosto de alguns
mistérios se preservem, as certezas e a clareza de tudo, por vezes confundem o
existir. Almas primitivas e quase doentias, não somos tecidos a imagem e
semelhança da logica matemática... Somos a cabeça do esperma tentando virar
vida.
Tais pensamentos passeavam na minha mente, enquanto abria
os olhos lentamente. Concatenando o lugar onde estava. Sempre que durmo fora de
casa, nunca sei onde estou. É o mistério, que merda de casa era essa? Não perdi
muito tempo nisso. Uma casa ou outra casa, milhares de casas, que diferença
iria fazer no final? Foder, foder e foder como uma sinfonia dramática numa
marcha incessante.
Estava apenas eu na cama em desalinho. A memoria como um oásis
feito de nevoa foi abrindo o quadro. Sim, passei a noite com Consuelo novamente,
eu acho. Olho para os travesseiros ao lado... Imensas manchas de sangue. Deus...
ela realmente não consegue se controlar...e nem eu. Abrimos concessões e um
tenta superar o outro. Mexo nos travesseiros, algo parecia errado, eles estavam
realmente muito molhados de um sangue adormecido...
O cheiro forte, o gosto de
sangue na boca, jogado no chão um chicote também sujo. A casa em silencio, um
silencio demasiado. Não gosto de nada que é demasiado.
Levanto, estou de pau duro. Paro na frente do espelho e
fico olhando minha cara, meu corpo... Meu ridículo pessoal. Digo pro meu pau: é
isso ai garoto... Tu és o dedão do diabo... apontando pro céu. Começo a rir.
Puta que pariu que noite. Viro de costas, ela esta lanhada, marcas de unhas e
chicote.
Consuelo é maluca. Faz coquetel de sua mente. Não pode beber e bebe,
não deve se drogar e se droga, toma medicamentos controlados, mas ta cagando
pra isso. Lembrei-me da nossa ultima trepada antes de dormir... Ela estava
transtornada, pedindo que eu a matasse... a enforcasse, entre gritos
desatinados... Foi um gozo bem louco.
Mas onde ela estaria agora?
Mas antes, me deixa voltar na noite anterior. Conheço
Consuelo há muito tempo. Ela já assistiu de camarote a derrota de alguns
casamentos meus... Sempre dizia que queria se casar comigo, mas que eu poderia
ter quantas mulheres eu quisesse... Mas que de vez em quando voltasse pra casa,
e há espancasse um pouco, e depois trepasse com todo o amor possível.
Ela hoje esta com quarenta e cinco anos. Morena alta,
cabelos cacheados, um rosto meio marcado pela dor mas bonita, olhos castanhos e
um sorriso capaz de te cativar se você desconhecer a sua historia. Nos
conhecemos a muito em bar que já fechou. Ela tem um bom emprego federal e sabe
curtir a vida, as vezes.
Mas em determinados momentos tem crises de solidão, então
me liga em desespero... um desespero quase a beira do suicídio. Não creio que
se mate... Pra se matar o cara tem que ter culhão. Se tenho tempo disponível,
vou até ela... Se não espero o próximo telefonema.
Na noite em questão, quando eu cheguei a porta de sua casa...
ela abriu a porta e já me deu um tapa na cara, muito forte, os óculos voaram,
por sorte pararam sobre um sofá...
-Boa noite Fabiano... Esse é o boa noite de hoje cachorro...
Não me fiz de rogado. Ela gosta de inspirar o diabo em
mim. Tem mulheres que conseguem isso. Nunca sabemos o que somos capazes de
fazer, até fazer. A alguns anos atrás quem me dissesse que eu seria um
sadomasoquista eu não iria acreditar. Mas existem determinadas pessoas que são
capazes de despertar coisas em você. Sim a doença de Consuelo inspira o pior...
Que na verdade é o melhor. Ela adora apanhar, mas apanhar beirando ao
espancamento... E depois trepar lentamente, com todo o amor possível. Ela é
contraponto, a mecha do dia e a noite, o raio brilhando em uma noite sem
estrelas.
Imediatamente comecei a dar tapas nela, depois tapas mais
fortes... Ela vestia uma roupa preta justa colada ao corpo... Uma espécie de colam.
E pedia pra eu bater mais... e mais. Obedeci. O rosto... As tetas, pernas, a
bunda, a xoxota... foram se enchendo de marcas... Então em um tapa mais forte,
ela caiu no chão... Era a visão mais linda daquela noite. Cabelos desgrenhados
na frente dos olhos e sorrindo com um filete se sangue no canto da boca... Então
gemeu:
-Ai... Esse eu gostei... ok Fabiano... Agora vamos beber
um pouco...
Nos sentamos a sala... Ela coloca uma velha canção clássica
que gosto, chamada Cavalgada das Valquírias de Richard Wagner (o compositor clássico
que mais gosto) .
A musica enche o ambiente, cordas dos violinos e violoncelos
graves... Puta que pariu, essa musica me arranca a alma do lugar, como se um
dardo da morte transpassasse minha vida e me fizesse renascer.
Consuelo me trás uma garrafa de rum fechada, um largo
copo de uísque e muito gelo. Estou cansado de porradas, de dar tantas porradas
nela. Ela esta bem, meio machucada, mas olha com orgulho aquelas marcas.
Senta-se a minha frente seminua, ela tem um coquetel nas mãos. Bebidas e drogas,
faz uma mistura. Naquele instante eu sabia que iriamos descer a escadaria do
inferno. Não me importava. Nosso romance é moderno e algo inteligente, e
desconhece fronteiras do bem e do mal. Porradas, sexo e bebidas, essa é sagrada
trindade. Ela sorri com cara de ordinária:
-Tu és um cara bom...
-Tu és uma vadia maluca... Mas eu gosto de ti assim mesmo...
Como aquele brinquedo quebrado que não jogamos fora...
-Acho que tu es o único que gosta de mim cara... E o único
que me bate desse jeito... Nunca vi, tu faz com gosto, que chega a ser
carinhoso... E isso não tem preço.
-Consuelo, eu me controlo um pouco, até um certo
instante... Tenho medo de te matar...
Ela sorri limpando o sangue da boca:
-Fabiano... Morrer com uma porrada tua... seria
maravilhoso... Me promete uma coisa?
-Diz.
-Me come depois que eu morrer? Antes de chamar o serviço funerário...
me come gostoso?
-ok, Consuelo... Se acontecer eu como, afinal sempre se
deve atender um último pedido de um falecido...
Começamos a rir. Fui tomando o rum, e ela foi cheirando e
bebendo. Carregou as baterias totalmente... E se veio furiosa, um trem bala
fora dos trilhos:
-Então vai ser hoje que vais me matar filho da puta...
Ela apanha um chicote estrategicamente escondido debaixo
do sofá...e me bate, dói pra caralho...não perco tempo acerto a cara dela num
tapa caprichado... Ela tira a roupa.. Eu tiro a minha e ficamos nos espancando
pelados na sala ao som magnifico de Wagner.
Porra aquilo era um pesadelo de olhos abertos... Fazemos
o jogo... ela me bate e eu bato nela. Algumas mulheres aguentam muita porrada.
Então Consuelo agarra meu saco e puxa... A dor é algo indescritível, ela
comprime as bolas... Estou meio tonto até... A cabeça não registra muito bem os
fatos... Mas sei que peguei o pescoço dela... E comecei a apertar, num misto religioso
de desejo, raiva, defesa e sobrevivência... A dor das bolas é imensa... Consuelo
sente a pressão, ela vai ficando roxa... Até que sinto que ela se afrouxa... E
cai no chão como um saco de batatas, um fantoche velho sem o animador...
Consuelo morreu? Pensei... E agora? Num flash passa tudo em minha mente. Ela
havia bebido, se drogado demais, e mais seu histórico médico... Puta que
pariu...
Vou ate ela no chão, coloco o ouvido no peito... ufa, o
coração bate e a respiração voltava... Ela bateu com a cabeça e sangrava um
pouco. Me deitei no chão ao lado dela, coloquei meu braço sobre sua cabeça,
acabei me sujando um pouco com sangue. Toquei nas minhas bolas que mais pareciam
duas bolas de tênis... Inchadas e muito doloridas. Foda-se, ao menos a cadela
não estava morta.
Wagner ainda berrava no aparelho de som.
Não sei quanto tempo ficamos ali, cansados, ela desmaiada.
Então na madrugada acordei, o corpo doía muito do chão, Consuelo em pé... Sorria
um sorriso sem graça, meio amarelo, me diz:
-Fabiano, me abraça? Vamos lá pro quarto... Não vai
embora... Dorme comigo hoje...
-Tudo bem.
Levantei parecendo um velho. Fomos para o quarto. Adormecemos
abraçados,
havia paz naquele instante, uma paz que soava como uma catedral
abandonada, como o risco luminoso das lesmas na parede, o musgo adornando as
arvores na montanha e nossas doenças embevecidas de silencio.
Continuo sem algumas respostas, mas sinceramente não há
pressa... Não sei até quando será assim...
Volto na manhã.
Consuelo entra no quarto. É uma Monalisa das tragédias...
Olho roxo, os lábios inchados e sorria:
-Bom dia Fabiano...
-É, bom dia.
-Eu não morri por pouco...
-Isso jamais saberemos.
Luís Fabiano.
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