Pesquisar este blog

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Recordações, um pêndulo, e a vida é o que é...



Recordações, um pêndulo, e a vida é o que é...

Terrível sentir-se um estrangeiro entre os teus. Um alienígena dentro de casa, comendo macarrão diante da Tv, e ainda sim sorrir com complacência, numa vã tentativa de se parecer semelhante.

Não era, e não sou semelhante a nada de meus familiares ou mesmo amigos. Ainda me sinto estranho onde quer que esteja, com quer que seja. Sim. Lembro minhas amizades de infância por exemplo, eram problemáticas, tudo que eles gostavam não fazia o menor sentido pra mim. Futebol, brinquedos de policia e ladrão e essas coisas. Nada de me atraia. Eu tinha sete ou oito anos. Porem, ver a minha vizinha, a mãe de um colega, andar pelada no quintal era bom. Ela não se importava conosco, nos achava infantis demais... e andava nua.

A bem da verdade, meus outros colegas eram tontos mesmo. Eles também não davam bola pra isso. E eu achava fantástico vê-la assim. Não sei quantas punhetas bati pela mãe de Eberson. Mas fora isso... Todos pareciam andar em uma direção e eu em outra. Eu um estranho no ninho.
Lembro que os bailes de carnaval, eu era forçado a ir, por que meu pai e mãe iam, eu não tinha com quem ficar, então era arrastado, aquele lugar abafado, barulhento e com um monte de gente pulando e suando. Que merda. O som de carnaval não mexia em nada comigo, ainda hoje não mexe, ficava sentando em uma mesa, rezando para que o tempo passasse rápido, então estar de volta em casa... As minhas coisas... Ao quarto, onde não seria perturbado.

Mas com o tempo você precisa aprender algumas manhas. Você aprende a ter alguns gostos semelhantes... Numa tentativa fugaz, de tentar minimizar distancias, isso passa a te qualificar como uma pessoa “normal”. No fundo eu sei que não gosto nada, mas digo que gosto porque isso me deixa mais próximo dos seres humanos, permite talvez, ter algo para conversar eventualmente. No fundo apenas isso importa.

Ainda tinha a escola. Puta que pariu, aquilo era a coisa pior que o mundo poderia ter criado. Minha mãe talvez na melhor das intenções, me colocou em uma escola muito boa na época. Uma escola onde 97% das pessoas te olhavam com um alienígena, por ser de cor de diferente. Isso porem tinha um lado bom. La ninguém falava comigo, não era importunado por ninguém, por ser um ninguém.

As professoras tentavam ensinar, mas eu estava com a cabeça longe dali... Não estudava, não prestava atenção, queria ficar olhando pela janela, pensando, apenas pensando. Não demorou muito para que o serviço de orientação pedagógica me chamasse. Aquilo foi uma piada de péssimo gosto.
Uma senhora muito alta e gorda, me colocou sentando em uma cadeira enquanto me indagava coisas no mínimo estranhas:

-Luís Fabiano... Você com algum problema em casa?
-Não.
-O que o teu pai e mãe fazem?
-Meu pai é pintor e minha mãe secretária...
-Humm, certo. E o que você acha do seu pai?
-Gosto dele... Ele anda de bicicleta comigo...
-Sim... E o que mais ele faz contigo?
-Muitas coisas, joga bolinha de gude... Me leva na praia...
-Certo, certo. Tu poderias desenhar a tua família nesta folha de papel?

Lembro que não estava entendendo nada, não tinha a menor noção se estava dando respostas certas. Eu desenhei, e a mulher olhou o desenho e disse:

-Hummm, porque você desenhou o teu pai mais alto e forte?
-Porque ele é mais alto e forte... lá em casa...

A conversa encerrou ali.
Fui mandado para a sala de aula. Então me trocaram de turma. Perdi o contato com os poucos colegas. Isso foi muito engraçado. Nesta nova sala de aula, a coisa era para lá de estranha. A turma era divida em duas partes. Os que ficavam a esquerda e os da direita. Os da esquerda eram o mais lentos de pensamento e raciocínio (os burros), e os da direita eram os mais inteligentes. Estes estavam com a matéria avançada. Eu fiquei entre os burros claro. Mas eu segui do mesmo jeito. Minhas notas era o suficiente para passar. Com orgulho digo que nunca abri um caderno para estudar. Via meus colegas, decorando a tabuada, decorando a historia, a ciências... Perdiam o recreio para tentar tirar dez. Nada disso fazia o menor sentido pra mim.

Quando finalmente alguém parecia compartilhar comigo, desta solidão profunda advinda de uma estranheza fundamental, era como tomadas que não se encaixam, uma gaivota voando sobre o oceano sem ter onde pousar.
Felipe, um cara bacana, que também era muito solitário, passou a me acompanhar nas caminhadas do recreio. Por vezes ficávamos sem dizer nada, apenas caminhávamos. Lembro que isso me fez bem. Então começamos a nos falar e ele era tão estranho quanto eu. Por um tempo longo o Felipe foi o único cara que me tratava normalmente, que não me achava um estranho. Nossa convivência era sincera.

Mas nada é feito exatamente para se eterno. O tempo foi trabalhando, o Felipe também foi se modificando. Ele começou a andar com uns caras durões da escola, Felipe não era exatamente mais o mesmo Felipe. Um dia ele andava com estes caras, então me chamou com autoridade:

-Fabiano... Vem cá por que a turma quer falar contigo...
-Tudo bem.
Então o cara que era maior disse:
-Fabiano, tu não podes ficar no nosso território do recreio. Vai andar por outro lugar... Se te pegarmos aqui de novo tu vais ver... o que é bom...
-Mas por quê?
-Não interessa... Não te queremos por aqui...

Ainda lembro-me da cara indiferente de Felipe. Ele não fez nada, ele agora era parte daquela turma. Nunca tive muita sorte com amizades. Este é um capitulo a parte. A grande maioria dos meus amigos me traíram. E de certa forma, eu era um idiota, acreditava com todas as veras nas pessoas, eu achava que dava para ser assim. Mas não dá. Os seres humanos carregam muitas coisas dentro de si, muitos interesses. Então hoje você aprende a confiar totalmente, mas sabendo que as pessoas podem te atraiçoar tranquilamente, com uma facada pelas costas. Tudo bem, é normal. O que acontece que hoje eu espero isso de absolutamente todos que me cercam, familiares , amigos, conhecidos, colegas, animais todos... Isso se tornou uma condição natural. Todos somos filhos da puta, até que se prove o contrario. 
Porem minha atitude não muda, eu confio em você.

Eu estava de volta a velha solidão e com um agravante de tristeza. A primeira traição você nunca esquece. Depois vieram inúmeras, um calo que passa a não doer mais.

O tempo passou.
Tornei-me uma forma adaptada de existência. Tive um breve momento de procura pela verdade... Mas verdades não se procuram, elas se tornam fluentes quando você esta mais maduro.

Mas hoje como um alienígena em meio a tudo, as coisas estão mais calmas. É preciso saber domar algumas coisas, mas vez por outra, pela cabeça ainda passa a ideia de simplesmente desaparecer. Talvez as pessoas pensem que eu tenha sido abduzido, mas a coisas será mais simples que um corte de uma navalha.


Luís Fabiano.

Nenhum comentário: