As noites escorrem pelas veias da cidade. Luzes, neon,
buracos, valetas entupidas, bêbados, putas, travestis e drogados. Uma prole, que
se agita assim que a lua aparece. A poesia viva dos desgraçados embelezando o
mundo, dando o gosto, enquanto as boas almas tentam dormir, o sono dos justos e
broxas.
Definitivamente não sou uma boa alma. Jamais quis ser,
pelo que lembro. Faço parte do outro time, dos tipos duros, do tipo que não se
assusta com umas porradas, que não dispara quando a coisa esquenta. Mantenho a
frieza, quando a merda for feia. Você aprende isso, depois de ter visto e
vivenciado muito terror. Não, não estive em uma guerra no Paquistão, nem
preciso disso. Aquilo é apenas exercício de crueldade, em função do ambiente de
interesses.
Refiro-me ao que as pessoas fazem umas com as outras,,
nas suas casas, no emprego, na cidade, nas relações, quando suas doenças
explodem... É isso. Você fica calejado, como um bom boxeador... Algumas dores
você nãos sente mais, melhor assim, mas isso não impede de causar dores por aí...
Sou assim, uma dose reservada de veneno, nas asas de beija-flor.
Eu estava muito filosófico aquela noite. Este é o outro
lado da bebida. Algumas pessoas ficam chatas, outros e perdem a noção. Eu
dependendo do momento fico filosófico. Filosofia de merda, neste aspecto fico
afiado, e disposto a fazer alguma merda.
Tudo começa no AP, bebendo uma boa dose de rum. Yes, rum
incendiando as veias me conduzindo a uma felicidade induzida. Uma felicidade
que ninguém participa, solidão que ecoa e gargalha loucamente na esquina. Como
se eu criasse asas, e voasse por sobre a merda existencial. Você já voou sobre
toda a merda? É bom, eu recomendo.
As paredes do apartamento pareciam me expulsar. Eu estava
de cueca, sem camisa e meias, olhando na janela do quinto andar. Sentia-me
alentado pelas coisas terem voltado ao normal. Horários certos, o trabalho de
sempre, porra a realidade assim agrada.
Na parada do ônibus que fica frente ao meu AP, uma mocinha
com uma sainha muito curta, se exibia, fácil? Porra, será que a frente da minha
casa tá virando ponto de putas? Sorri, mas que maravilha, não precisaria nem
sair de casa, era apenas abrir a janela e dizer: Ei... você ai... Sobe aqui... é
no 501...rs..rs.
Fiquei observando-a um bom tempo, ninguém parou pra ela.
A noite é foda mesmo. A aparência de uma pessoa a noite de longe é algo
encantador... Mas de perto, bem às vezes deixa a desejar, quando não causa asco.
Os caras diminuíam e então aceleravam... Ela não devia ser estas coisas. Mas
aquelas pernas vistas do quinto andar... Eram boas, já valiam uma punheta.
Toquei no pau... mas ele estava tranquilo...só teu uma inchadinha...
Decidi sair de casa, num impulso de um asfixiado.
Vesti uma bermuda, e uma camiseta que não estava muito
suja, entre tantas que ficam em canto do meu quarto... Uma boa cheirada no
suvaco, ok perfeita. Desço e pego o Kadett, que dias atrás o Júlio acabou me
dando um outro nome pro meu carro, disse-me ele: Fabiano, o kadett não deveria ser
chamado de kadett, mas de “fudett, o fudett ”.
É Júlio... Gostei da ideia. Possivelmente até coloque um
adesivo assim... Vamos ver.
Dei a partida e liguei o radio, a radio 99.9 tocava Luiz
Miguel – La Media Vuelta... Sensacional. O Fabiano romântico... O filho da puta
romântico... Boa, dançaria até esta musica coladinho com alguma por aí...
Abro o portão e saio... E claro paro olhar a putinha em
detalhe na parada do ônibus. Entendi na hora porque os caras aceleravam... Ela
tinha boas tetas, boa bunda e boas pernas... Mas o rosto estava cheio de
“pipocos”... Como se fosse uma comunidade e espinhas sobre outras espinhas,
muitas marcas na cara e uma inclusive tava até saindo pus... Deus... Baixei o
vidro e ela veio:
-Oieeeee lindão...
-Oi, “bonita”...tudo na paz aí...
-Sim... Tudo, tu moras aí gostoso?
-Yes...
-Não sai não... Volta pra casa, e me leva pra dentro... Tu
não vai te arrepender, de pegar o material aqui... To cheinha de tesão... gostoso...
-Sei... não sei... Sei...
-Assim, ó pra ti que é morador da zona... Faço um boquete
por trinta pila e uma completinha, com tudinho... cuzinho e tals...por uma
onça? ( 50 reais )
-Humm.. .interessante... mas tu faz isso no cartão?
Hipercard ,barricompras?Algo...
-Ta louco cara? Tu queres pagar buceta a prestação?Que
isso...
-Calma... É... Claro, é final de mês moça... A gente
pedala isso pro próximo mês...
Ela virou de costas e saiu rebolando de volta a parada de
ônibus... mas antes levantou a pequena sainha...e mostrou a bunda...com uma
calcinha verde fio dental. Adoro calcinha verde...
Fui embora. Luiz Miguel ainda tocava. A cidade estava
tranquila. Também uma segunda feira. Que esperar? Por vezes lamento não estar
em uma cidade maior. Foda-se, eu ia fazer alguma coisa. Estava deslizando pela
Avenida Bento, tudo fechado, tudo menos o Pássaro Azul... a Catedral dos
desvalidos, estava vazio. Segui... Peguei
a Deodoro, algumas outras putas nas esquinas...
Criaturas mirradas, secas,
magras por causa do crack e pó. Elas me acenam, mostrando partes do corpo... tetas
feias, uma bunda chupada... Bem, não diria que desta aguas jamais beberia... mas
com toda certeza não era minha vontade, aquela noite.
Lembrei da zona do Porto... A minha segunda casa. Iria
visitar o meu velho amigo Sujeira.
Chego lá... A porta esta pela metade fechada. Ouço vozes
lá dentro. Entro e numa mesa jogando um carteado, valendo ali algumas moedas de
um real... A dupla mais que inacreditável deste planeta. Sujeira e Rebeca
Sharon.
Rebeca Sharon é uma travesti, muito conhecida no Porto,
ela sempre me provocou, querendo ter um caso, sempre se veste muito bem, têm
tetas grandes e firmes de silicone, cabelos tão loiros quando da Sharon Stone...
“a idala” dela como sempre disse. Já conversamos muitas vezes, é alguém do bem,
e como as maiorias solitárias, das noites. Mas nunca tive nada com ela em vias
de fato. Prometi pra ela que teria algo com ela... O dia que ela fizesse uma
operação... E virasse a mulher que sempre sonhou ser, bem...
Esta é outra
historia...
Ela diz:
-Bati Sujeira... tu agora estas me devendo mais duas
geladas... Sharon é a campeã do pôquer...
-Rebeca tu estas roubando, não é possível...
-Tu não sabes nada de pôquer Sujeira... nadinha...
Eles pareciam muito íntimos, muito me admirei, Sujeira é
um cara que não curtia muito a proximidade com travestis, ele tem alguns
preconceitos... Mas
vá saber... todos mudamos. Gritei:
-Boa noite pessoal... Todo mundo com a mãozinha na
cabeça...
Ambos se viram pra trás... e Sujeira parece
constrangido...mas quem fala é Rebeca:
-Fabiano... Nossa, amor... Quanto tempo...
-O tempo... não é nada Rê, dependendo de quem esta pelo
lado de dentro do banheiro...
-Uallll... Que profundo querido... Vem cá me da um abraço
bem apertado... que saudade...
Sujeira foi se levantando, vermelho. Não sei... Ao que
parece, Sujeira estava interessado em Rebeca Sharon? Merda, acho que atrapalhei
alguma coisa... o amor é algo inesperado.
Segue...
Luís Fabiano.
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