Navalhadas Curtas: Chico aonde você vai?
Tenho escolhido cada vez quem vou atender. Talvez por uma
associação de personalidades, a grande maioria dos meus clientes são muito chatos.
Você sai para resolver um problema... Então, uma vez lá, você tem fazer outras
coisas... Porque você esta lá mesmo?
Teve uma que queria que ligasse a maquina de lavar dela e
testasse.
Logicamente não fiz...
Quando você vai num cardiologista, você pede para ele lhe
fazer uma cirurgia plástica?
Assim é dona Estela. Muita idade e um computador lento. Tudo
é lento naquela casa.
-Seu Fabiano... O senhor pode ver se tem vírus? E
aproveita também me e deixa ele mais rapidinho? E depois tu tiras o pó de cima
dele também? E me deixa a internet mais rápida? Sem tirar os meus joguinhos
hein...
No chão, um cachorro que era uma mistura de raças... Olhava-me
entediado. Olhei pra ele e tive pena dele e de mim. Nos estávamos no terceiro
andar. Então inesperadamente a velha senta-se ao meu lado, e sorria com todos
os dentes da dentadura, e seguiu:
-Vou ver direitinho o que tu fazes... Ai eu não preciso
te chamar mais... Há, há, há... eu sou esperta...
Naturalmente meus pensamentos homicidas vieram a tona. Ela
deveria ter uma morte lenta... Com gritos ecoando pelo inferno... com demônios rodopiando
e cantando hosanas ...puta que me pariu...e claro o preço do atendimento havia
acabado de subir naquele instante...
Então interrompendo meus pensamentos, o cão que estava
quieto, subiu no parapeito da janela... Nos olhou e simplesmente saltou para
rua... A velha teve um choque... Apenas disse: Chico... Chico onde tu vai...
Bem Chico já era, lá embaixo ele nem uivou, saltou e
morreu com a queda. Aquele olhar era uma despedida, agora entendi. A cena era
impressionante. A velha entrou em desespero, e não sei por que, eu achei isso
natural... Afinal se eu fosse o cão dela... eu teria feito isso a muito tempo.
Eu segui arrumando o micro, enquanto ela descia
inutilmente para acudir Chico.
A paz é algo estranho mesmo.
Luís Fabiano.
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