Rei das Bucetas, muvuca
e cachaça
Entrei numas que deveria comemorar. Estava meio cansando,
o trabalho havia me estafado demais aquele dia. Gosto de trabalhar, porem nada
deve ser demasiado. Me nego a chegar a esgotamento total, existe vida para
além.
E se pensarmos bem, nos alimentamos pelo que nos encanta.
O ramerrão das coisas triviais da vida, faz parte, como a ferrugem faz parte do
ferro, como a poeira dos quadros abandonados em paredes. Tudo tem sua
importância, mas apenas quando não estão lá. O ser humano é foda de qualquer
jeito. Se é feliz é foda, falta sempre algo, se é triste é foda também.
Cheguei em casa e tinha uma garrafa de rum cheia. Se
bucetas viessem engarrafadas, elas viriam em forma de rum pra mim, lacradas de
prazer. Sento no meu típico sofá, servindo uma dose das mais caprichadas. O
brilho dourado do rum é uma espécie de sol da noite, ascendendo desejos,
deslizando para o ralo da madrugada. Olho as horas, são 23h47min... Horário dos
deuses.
Então, aonde iria?
Como um flash carinhoso, lembrei do meu amigo, Rei das
Bucetas e seu bar, que naquela hora estava no apogeu. Mas antes esvaziei meia
garrafa de rum. Era para nocautear um elefante, mas no meu caso, o rum me rouba
a sanidade e o sono. Tenho pra mim que eventualmente é preciso dar um foda-se a
vida. Preocupações haviam aliviado. Então afinal, deve ser por isso que Deus
permite a bebida na humanidade. Tentem imaginar viver todos os problemas, sem
uma única válvula de escape? Uns jogam, outros fodem, outros se drogam e eu
bebo. Ergui o ultimo copo e brindei a divindade e seus anjos, isso também é o bem.
Me olhei no espelho, achei a minha “lata” boa. Peguei o
carro e me dirigi ao Bar. Chegando lá, havia um grande movimento de carros. Estranhei, carros importados parados
na frente do Bar. Pensei: que merda é essa? Ao parece, o Bar do Navegantes
havia sido descoberto por algumas pessoas. É o que digo, o cheiro da vida, sem
artificialismos envernizado que o social naturalmente impõe como verdade, tem
gosto de uma bala com papel.
La as pessoas parecem ser mais de verdade. O samba de
raiz é tocado na mesa, a caipira é feita a moda antiga, e os frequentadores são
trabalhadores braçais, gente que se fode dia a dia.
Vou entrando devarinho, abrindo espaço entre as pessoas,
e lá no mesmo canto de sempre, como uma entidade espiritual eterna, sua roupa
branca impecável, o chapéu descansando sobre a mesa, diante de um copo imenso
de cachaça pura. Sorria com todos os dentes, e ao que parece, sentia-se
satisfeito que o seu estabelecimento estivesse cheio. Dei uma olha para os
lados e não vi Jussara.
O Rei das Bucetas, me aponta a cadeira vazia na sua mesa.
Me sento:
-Porra Rei, que merda é essa? De onde saiu este povo?
-Pessoas sedentas, meu filho, eles não permanecerão, são
como pombos migratórios... indo da merda para o deserto...
-Poesia pura, sei como é... acho que já fui meio assim...
-Filho, demoraste para voltar. Tá tudo bem contigo?
-Sim, sabes como é, a vida de vez em quando nos força a
pensar algumas coisas, e tomar algumas decisões importantes... Mas tudo certo.
-Ainda bem que é assim filho, se não o ser humano ainda
estaria na caverna...
O pagode recomeçou, as mesmas figuras, caixa de fosforo, cavaquinho,
pandeiro, um tam-tam afinado e a voz rouca de Negro Anjo ( como é conhecido). E
como um hausto, eu senti uma felicidade de esta ali, meu céu, meu gozo, meu encanto
sem sombras. A felicidade gratuita que veio não sei de onde.
O pessoal dos importados dançava com vontade, levantando
poeira do chão, e pareciam felizes de estarem não tão limpos. Porcos
satisfeitos diante do cocho cheio de lavagem, a vida simples é uma espécie de
droga.
O copo de cachaça veio cheio até a borda, brindei com o
Rei das Bucetas.
-Rei, e onde esta Jussara?
-Filho, esquece essa mulher... Jussara é apaixonada e
louca, é tomada pelas Pombas-gira e não cuida direito dessas coisas... Escuta o
que eu digo, ela ainda vai se dar mal, ela pode te matar numa dessas... nem
sempre é do bem...
-E desde quando Rei, as pessoas que me envolvi eram 100%
normais? E se tu olhar de perto todas as pessoas, tu acha a maluquice de cada
um, a diferença que nas pessoas normais a coisa tá bem escondida...
-Fabiano, tu és um anormal.
Segue.
Luís Fabiano.
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