Noite Difícil
As coisas não estavam dando nada certo naquele dia. Sabe
quando se tem a impressão que o mundo esta conspirando contra você? Os malditos
anjos filhos da puta, estão de férias nestes momentos? Que merda é essa?
Provações carmicas? Ok. Aí não tem o que fazer, você vai sendo empurrado
lentamente contra o beco... É lutar nos ventos inúteis ou aceitar ser patrolado
pelo mundo todo.
Naturalmente isso vai nos tornando mais irritadiços. Eu
estava. Era precisava procurar uma vitima para explodir minha raiva, o bode
expiatório, que não fosse muito forte. Naquela época eu tinha uma péssima
maneira de lidar com as pessoas e a com a vida.
Hoje aprendi a relaxar mais. Fui me tornando um saco de
pancada mais sereno. Bata a vontade
“compadre”, uma hora você, cansa e eu venço.
Charlote estava se tornando insuportável. Todos os dias
inventava um problema, ela tinha uma relação instável com um. A principio
aceitava meu estilo, mas depois de um tempo, eu não me tornei domesticável, e
as coisas começaram a fuder.
Eu saia toda sexta-feira, coisas que faço ainda hoje.
Sair para beber, conhecer novas vagabundas, observar a vida onde a vida
acontece. Não se iluda. O trabalho é para nos dar a grana, o lar para nos
suportar. Nestes lugares a vida não acontece, você vive para se tornar parte da
maquina, você é uma peça desimportante, junto com tantas outras que formam um
suposto ideal importante. A maquina imitando a natureza não dá bola, se você
esta bem ou não, se sua casa foi levada pela enchente, queixe-se para Deus se
quiser...
Meus vícios, minha loucura, minha incapacidade de ser
previsível detonavam, lentamente as expectativas de Charlote, eu sabia. No
fundo eu não me importava. Não era o amor de minha vida. Hoje acho estou um
pouco mais humano.
Até levo algumas pessoas em consideração. Evolução?
Talvez.
Naquela sexta-feira, nem fui em casa. Cai na noite
tranquilo. Minhas tocas de sempre, Bar do Sujeira, Pássaro Azul, o samba no Navegantes
e o grande Rei das Bucetas, amigo e mestre das horas noturnas. O bar do Sujeira
foi a pedida, é minha segunda casa.
Os personagens decadentes de lá, são como perolas
incrustradas no lixo. O brilho fantástico de uma pobreza incandescente,
ostentando a beleza do nada. A fera a procura de paz, o sorriso em meio tom, e
a alma descerrando uma nascente viva.
Chego ao bar do Sujeira. Seu mau humor eterno, rosnado de
pittbul. Não me assusta. O bar cheio. A catedral não lota nas missas, logo o
Sujeira é o pastor dos “melhores”.
-E ai Sujeira? Tem aquele de sempre?
-Rrrrrhhh, rum? Claro idiota, é só tu que tomas esta
merda aqui...
-É Sujeira, eu também tô feliz. Valeu, serve ai.
Sento a mesa, a porra do celular acende como uma vela do
inferno. É Charlote, fico pensando se atendo ou não? Peguei uma moeda e deixei
o telefone tocando, cara eu atendia, se coroa, não. Jogo a merda da moeda, deu
cara. Dia que você perde pra você mesmo é pra fuder.
-Boa noite Charlote – atendendo ao telefone.
-Boa noite? Fabiano, onde tu estas? Tu deve tá bebendo
né? Diz, pode dizer... Diz... Onde...
-To bebendo sim, quer um gole?
-Olha Fabiano, se tu não vier agora pra casa... tu não
precisa mais vir.
Comecei a rir. Então a vida não é perfeita?
-Charlote, não diz coisas sem pensar... Sabes como é, os
desejos podem acontecer...
-Tens meia hora pra chegar... Meia hora... Tchau.
Bateu o telefone com violência. Certamente ela queria
acertar a minha cabeça. Nem cogitei em ir pra casa. Já deixei gente por aí, por
muito menos que isso. Ela que fizesse o que quisesse. Tinha fome de vida, viver
como se fosse o meu ultimo dia de tudo. O Sujeira trouxe meu rum. Bebi com
gosto aquilo, como se tivesse chupando a melhor buceta do mundo. Rum de péssima
qualidade, parecia óleo diesel, mas naquela hora sombria foi.
Então como um capitão no comando de meu navio, decidi dar
outro rumo a minha noite.
Todo bar, seja ele qual for, sempre tem alguém que quer
comer você, ou que você quer comer. Todos. Minha experiência neste sentido é
boa. Quanto a qualidade do que se vai comer... Bem, foda-se.
Meus olhos começaram a passear pelo ambiente. Nada.
Porque haveria, né? Nem as velhas putas quebradas de sempre, que trepam por uma
cerveja barata... Se eu quisesse mudar a coisa, teria de partir para outro
lugar, estava com preguiça.
Lembrei-me de Jaqueline no bar do Rei das Bucetas, lá no
Navegantes. Ela é
muito parecida com uma ancora. Uma mulher grande, morena, cabelos
lisos e negros como a noite, sorridente e bebedora, que disse numa noite de muito
álcool, algo assim: Fabiano... Sou tua, quando tu quiser cara... Este material
aqui, é todo teu, tá ?(disse isso alisando o corpo farto).
Eu nunca dei bola pra aparência. Magra, gorda, negra,
branca, faltando dentes, bafuda, com hemorroidas arrombadas... Isso é besteira
de fresco. Eu procuro o desejo dela, e o querer bem. Ela me queria bem. Eu
acho. Terminei meu rum, e sai do enevoado bar do Sujeira, em direção ao
Navegantes. O kadett desliza por uma Pelotas em chamas, todos estão nas ruas, a
procura de diversão, do sentido, de achar-se e perder-se.
Chego ao bar Navegantes. As felizes portas abertas, o
samba de raiz, anima a vida. O mestre não estava lá, devia estar dando um trato
em alguma moça por ai, afinal o cara é o Rei das Bucetas. Lá, opção de bebida é
cerveja, aquela que é ruim sabe... Ou então cachaça. O rum tinha feito o seu
trabalho, eu estava um pouco melhor. Sentei a mesa e pedi a cerveja. Onde
estaria Jaqueline?
Dei um tempo. No celular 57 chamadas não atendias de
Charlote. Então, Jaqueline aparece, tava acompanhada de um cara enorme. Fiquei
na minha, apenas olhei pra ela. O cara foi no banheiro e ela veio sorrateira:
-Oi Fabiano... E ai ?
-E ai digo eu, é hoje o nosso dia?
-Bem, não sei se vai dar... To ficando com o cara ali... ta
ligado...
-Dispensa ele... E vamos beber algo por ai... eu mais
tu...
-Cara, hoje não dá... Desculpa ai...
O cara voltou e viu ela conversando comigo, veio até a
mesa.
-Qual é Jaque, este cara aí? Qual e a dele...
-Calmo meu irmão... Tá tudo bem... Tava apenas
conversando com a donzela aí... Já to de saída brother...
-É meu irmão, já sai saindo viu... vasa... Cara...
Eu já levei porrada na cara, não é das melhores
sensações. Eu não tava afim e não tinha condições de brigar.
E agora?O que eu faria? Quem sabe eu pedisse desculpas
para Charlote? Não, o orgulho é uma merda...
Entrei no carro, não queria procurar mais ninguém. Levei
o carro para avenida Bento e estacionei num posto de gasolina... Aquela seria
uma tentativa de uma noite de sono. Boa noite.
Luís Fabiano.
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