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domingo, maio 13, 2012




Mãe - A puta falida...

Normalmente a minha pena digital, se nega a entrar nos pormenores da vida alheia. Sou assim, o caustico de minha própria historia, o desencanado vivendo suas tragédias em uma noite sem fim, com a poesia dos leprosos, dos miseráveis de porra nenhuma, dos becos escuros, da solidão e das estrelas eternas.
Mas existem coisas que não posso deixar de contar.
Conheço Ângela há um tempo, que o tempo não esqueceu. Estranhamente depois de tantos verões e invernos mais ou menos vinte e cinco anos... quis o destino que nos encontrássemos. Bom... já ouvi muitas historias...  raramente elas tem algum conteúdo pra mim... é como garimpar ouro... o tom feliz de Ângela, me fez bem... ela abriu seu coração a mim, depois as pernas também... e tudo transcorreu como uma cena feita de verdades viscosas... disse ela:
- Eu não tinha o que fazer, sem emprego, as portas estavam fechadas para todos os lados que eu tentava... não entendia porque isso tem que ser assim? Não gritei, mas tinha vontade. Não tinha o que dar para minhas filhas comer...  a minha casa, um caos. Eu tentei com varias pessoas... conseguir algo e nada. Me sentia encurralada cujas opções eram zero...
No hospital, que minha filha estava, tinha outra mulher, que também tinha uma filha doente... doença grave... de esperanças quase perdidas. O vinculo de dor, une as pessoas... é assim as vezes infelizmente...


Eu mergulhava em seus olhos... deflorando certezas, deixando a cerveja fazer um trabalho sereno, na paz. Gosto de historias. Esperava um desfecho trivial... Ela segue:


-Literalmente eu estava fudida. Minha filha muito doente, eu tinha que ir para o hospital todos os dias, com todas as incertezas do mundo na cabeça, acabei ficando amiga daquela mulher, que também cuidava a filha... que a merda do destino, quis que fosse se apagando como uma vela que ficando gasta... 
Ficamos amigas. Então num daqueles dias difíceis ela me falou que era proprietária numa boca em Canguçu... fazia programas também e que se virava com isso...


Não preciso dizer que a este ponto a historia me pegou. Gosto de putas, declaradas ou não, sociais ou caseiras... gosto delas, como se gosta de santas, minha prece vai a elas... como incenso dos filhos da puta, os condenados pela natureza... o sagrado travestido e retorcido.
Ângela sorria com leveza... gosto disso:


- Sonia a mulher do puteiro, sabia a minha historia. E me ofereceu a casa para fazer uns trabalhos como puta temporária, seria o jeito de tirar uma grana honestamente. Na hora aquilo me pareceu um absurdo... mas existem coisas que Deus quer... os empregos não vieram... nenhum milagre a vista... a força invisível me empurrando para o abismo... fome, falta de luz... falta...falta...falta... que merda...
Não demorou muito para que a ideia começasse a me agradar. Eu seria puta... mas minhas filhas não passariam necessidades... não passariam mesmo... faria qualquer coisa por elas...


Dentro de mim eu a entendia. Muito embora nunca tenha sido pai... e talvez nem fosse um pai dos melhores... mas acho que seria capaz de fazer qualquer coisa honesta ou não... para não deixar quem dependesse de mim sofrer... Sofre o meu corpo, sofre a minha alma... mas não as minhas crias. Que merda. Fico sempre pensando que porra Deus esta fazendo quando merdas assim estão acontecendo por ai? Deus... seu sádico de merda... perdi-me em meus pensamentos...


-Infelizmente a filha da Sonia, não demorou a falecer. Fui invadida pelo medo de tudo... e se minha filha também fosse? No meu cu não passava uma agulha. Então dias depois eu telefonei pra ela... e fui pra canguçu tentar a vida de puta. Não sabia como aquilo iria acontecer. Bem fuder é fuder...não é? Não, não é. Fui parar  no apartamento da Sonia, onde fui produzida... para tentar a vida... Eu Ângela a puta agora... Estava nervosa demais... tinha em minha mente que seria uma espécie de estupro consentido... que será que viria a ser a minha primeira foda profissional? Fui orientada que não era obrigada a fazer nada, que faria apenas o que quisesse... e o preço estava acertado. 
As outras meninas me deram mais chance, porque elas souberam de minha historia... e curiosamente encontrei mais acolhida e generosidade  ali, que no meio “social normal”... eu a puta virgem entre as putas. 
O primeiro cliente chegou, elas me passaram, quando cheguei para olhar o homem... nossa Senhora!! O cara fedia, tinha orelhas podres meladas... era horrível, fedendo a sovaco não lavado de dias, aquele suor encarnado na sujeira... olhei pra ele... e na hora dei volta... fiquei com muito nojo... a ponto de quase vomitar.


Eu gargalhava no carro... sentia-me um prisioneiro louco, encarcerado numa historia hedionda das melhores... crônica terrível de catástrofe e milagre. A vida é assim as vezes...  ela dá... ela tira... ela nos fode... nos fodemos ela...


-Na hora percebi que não daria pra coisa... Sonia também percebeu... vieram outros clientes, naquela casa de horrores... fedidos, faltando dentes, suados da plantação de fumo, caolhos... era um trem fantasma sem trem... Naturalmente  para Sonia a puta mor, não era problema... ela encarava esses caras dando risada de mim... fudia com felicidade... era uma santa calejada na arte do amor... lavava bem a buceta e pronta pra outra...
Acabei indo parar no bar, atrás do balcão. Ali a coisa rendeu pra mim. Passei a controlar o bar, a defender as meninas, a dar conta das bebidas... me tornei uma espécie de gerente de puteiro. E com isso comecei a levar coisas pra minha casa. Um dia a Sonia fez um rancho pra mim... e pude ver nos olhos de minhas filhas a felicidade, as coisas estavam lá...eu podia pagar uma coca-cola pra elas... eu hoje muito orgulho de dizer que minhas filhas foram alimentadas por dinheiro de puteiro... e que se fosse preciso, faria tudo novamente.
Foram meses assim... indo de Pelotas para Canguçu, gerenciar o lugar. Então apareceu um emprego em Pelotas...  as coisas foram melhorando, felizmente, tudo com muito sacrifício...


Diante de mim, aquela mulher cresceu muito. Entendi que pouco importa que vias o coração toma, a tentativa sempre é de acertar... e puta que pariu... as vezes é muito difícil. Eu abracei-a com ternura, reconhecendo a beleza que cada mulher, mãe e ser humano é capaz de fazer por aqueles que verdadeiramente ama... enterneci-me, o que levou a pensar, será que amo alguém assim? 
A pergunta fica ecoando em um silencio vazio... uma vaga que vai... arrancando o espirito do comum... bem, eu realmente não sei... mas espero que eu ame...

Luís Fabiano

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