Filhadaputisse Alada
Deixai a múmia enfaixada, enrodilhada em seus próprios dramas ordinários. Assim me coloco ante a quase tudo que me cerca. Cada humano engolido e regurgitado como a existência, movido por sua individualidade, é um caracol carregando a própria casa, pesadamente, lentamente, na ânsia de cruzar o gramado em segurança.
Segurança ilusória, por que raramente estamos a salvo de nos mesmos, nossas emoções armadilhas, nossas emoções liberdade, nossas emoções penas molhadas que não nos deixam voar mais alto a existência. Mas afinal, quem já ouviu falar de caracóis alados riscando o céu...
Foi assim que fiquei olhando para Andrew. ( Andriu), contando uma pequena importância de dinheiro. Sua maldita mãe tinha mania de grandeza, arrotava caviar comendo feijão azedo, muito embora não tivesse motivo algum para grandeza. Aquele nome era de um rei, dizia ela. Acho que inventou esta historia. Mas na época moravam em um barraco de fome, um reinado feito de fome, fedor de esgoto, de luz que se apagava, de agua que faltava, as roupas puídas se desgastando a exaustão. Eram quase faixas de múmia.
Mas o tempo generoso aos esforços de Andrew, bom mérito. Com todos aqueles achaques da vida privada, com muito sacrifício, estudou e consegui se formar advogado. Logo percebeu que tudo estava na lábia fácil. Uma boa lábia é capaz de convencer o diabo que é preciso dar o rabo aos anjos.
Ele agora já não era mais o mesmo, havia melhorado ou piorado, como julgar isso? O cara de camiseta puída, agora usava terno e tinha certeza absoluta que Deus era o Dinheiro! Ambos começavam com D. Notável. Por favor, não pensem que sou homem de grande fé, longe disso... tenho fé no que preciso e quando preciso, minhas convicções são flutuantes e deixo-me conduzir pela realidade, seja ela o que for.
Eu pessoalmente não decido quase nada em minha vida. Deus, dinheiro, xoxotas, dólares, emoções, ódios e carinhos, tudo está dentro de um único cadinho incandescente, o qual esquento dia após dia, numa mistura louca feita de sonhos e realidades que se casam, alma e corpo, bebidas e sobriedade. Bom viver assim.
Mas naquele escritório estreito, Andrew tinha certeza que tudo estava aos seus pés. Falou de suas viagens, do Louvre, de Londres com sua triste organização, um mundo perfeito sabe, que a Monalisa não é tudo isso que dizem, com aquele sorrisinho ordinário de safada. Gostei.
Achei fantástico tudo aquilo, mas uma fantasia que não me fascinava a bem da verdade. Acho que sou uma alma medíocre, não tenho desejo nenhum de grandeza. Gosto de apenas de acordar e perceber que tudo esta bem, tomar um café e caminhar por ai.
Tentei perceber conteúdo das colocações de Andrew, esquecendo de mim e as ideias que movem meu ser. Mas creio que todo o ser humano é meio assim. Precisa colocar as coisas em uma grandeza abissal, para tentar confundir a realidade ordinária que vive, simulando uma importância suprema aos nossos olhos, mas de um vazio que ecoa por ai...
Não conversamos muito. Normalmente me calo quando não acho nada interessante, meu silencio é uma espécie de abandono em vida, fico remoendo minhas próprias merdas e pensando na melhor saída. Não nego que sou um cretino eventual, quando isso me apraz, não tenho nenhuma preocupação com o julgamento alheio. Andrew seguia contando aquele dinheiro na minha frente, havia recebido de um caso, que o cara havia matado outro, mas conseguiu provar que era legitima defesa, ele havia vencido o sistema outra vez. Então com cara de pau disse a Andrew:
-Andrew, tu me empresta algum... eu estou meio a perigo...
Ele se engasgou, possivelmente com as notas de cinquenta. Gosto de pegar as pessoas de surpresa. Sabia que ele não iria me emprestar nada. Mas queria ver o seu serviço em andamento.
Começou a argumentar com veemência, falou a respeito das finanças do escritório, a secretaria que ele devia uma importância, as coisas complicadas que cercam aquele dinheiro, o quanto deve na praça, que talvez tivesse que vender um rim para pagar tudo, por fim fez uma palestra de politica internacional, e a recessão nos EUA.
Eu fazia cara de paisagem concordante, mas no fundo estava me divertindo com aquilo. Deve ser por isso que não tenho muitos amigos. Ninguém tem senso de esportiva. Ele rapidamente juntou todas as notas, enfiando-as dentro do casaco e por fim disse que precisava sair... nada como ver um filho da puta atuando, dizem que semelhantes se envolvem com semelhantes. Bastaria ter me dito que não emprestaria e tudo certo. Eu iria rir do mesmo jeito.
O dinheiro não muda as pessoas, apenas expõe o que elas realmente são quando tem condições para isso.
Saber que a vida é assim é bom, mas como já disse anteriormente, prefiro não ver o lado sórdido do humano. É como ver o seu intestino exposto, ventre aberto, merda e sangue misturados. Nada fascinante, infelizmente eventualmente todos somos meio assim. Tá tudo bem.
Luís Fabiano.
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