Uma conversa
Manoel Magalhães*
- Caro mestre, que faço para escrever bem?
- Escute o zumbido das abelhas, o pisar suave das formigas na terra úmida, o esvoaçar do pássaro entre nodosos galhos...
- Só?
- Não. Preste atenção à melodia do vento na copa das árvores, o sussurrar dos córregos em contato com o leito, a maciez de um beijo...
- E isso basta?
- É preciso mais... Como entender a linguagem do coração, desvendar a fome da alma, compreender a rebeldia dos sentimentos, a intrepidez dos nervos...
- Não conseguirei.
- Conseguirás, sim, pois a luva ajusta-se à mão, os olhos à visão soberana. E o paladar à tenacidade da pimenta e à doçura do mel.
- Amar resolve?
- Sim, sobretudo se teus ouvidos ouvirem a melodia das curvas de um corpo, teu olfato apreender o significado dos cheiros que dele exalam e tua vontade sobrepujar a vontade do outro que, movido pela paixão, deixa-se escravizar.
- Que Deus tem a ver com isso?
- Tudo e nada. O tudo significa o todo, o nada remete ao vazio.
- Acho que não conseguirei?
- Conseguirás.
- Me aponte o caminho?
- Vês o abismo que se estende à tua frente?
- Vejo.
- É o caminho.
- O abismo?!
- O próprio.
Manoel Magalhães é jornalista e escritor.
2 comentários:
Me faltam palavras para traduzir isso. Sei lá... O cara é fera. Me lembrou os textos de o Profeta...
Cris
Ele tá mais pra profeta do apocalipse, não se enganem.
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