Anormal - Futucando a toca das agonias.
Nem sempre fui tão dócil, como aparento. Em outros tempos estava disposto a fazer o que fosse, e devolver problemas não na mesma moeda, mas em dobro. Nada de deixar barato. Pensava em justiça pessoal, em vaidades arranhadas e egos feridos. Em paralelo com meu sentimento de mesquinharia, o que me tornava uma tempestade enclausurada.
Nem tudo era pacifico. Nesta época estava morando com uma psiquiatra. Em tese tinha o tratamento em casa. Mas títulos pouco significam quando a merda sobe pelo vaso, em vez de descer. Acabamos nos envolvendo rapidamente, quero dizer rápido demais.
Fui atendê-la, ver seu computador, trocamos olhares, e em menos de uma semana estávamos na cama, jurando eternidade de amor com anjos e querubins por cima.
Ela era uma trepada fantástica, graças a Deus. Mas a relação era conturbada. Muitas manias de ambos, lembro bem, que em quinze dias estávamos morando juntos. Eu tinha a impressão de estar lá anos. Não me pergunte por que fiz isso. Nem eu sei, mas creio a minha vida sempre foi assim. Conhecia alguém, então me convidavam para ficar lá uma noite, depois duas e quando eu ia dar-me conta, já tinha passado seis meses. Nunca tive problema de ser hospede na casa delas. E não interessava o lugar, poderia ser um cubico ou mansão, a merda era a mesma. E até hoje é a mesma merda.
Magda era uma mulher muito mandona. Isso parecia divertido, na cama era uma cadela. Gosto de cadelas ou de leitoas, que fazem macio e ficam guinchando coisas caóticas no seu ouvido ou para os vizinhos ouvirem. Gosto de shows eróticos. Ela era assim, boa disposição pra tudo. Se tudo permanecesse nisso, talvez a vida fosse um paraíso. Paraíso? Minha vida nunca foi um paraíso, as coisas sempre caminham do mais ou menos para o pior, a grande diferença é que me acostumei.
Me acostumei a perder com indiferença, a perder rindo como um louco e a dar o foda-se a vida. Isso torna tudo diferente. Um derrotado triunfante em sua derrota.
Ela depois de alguns meses, queria que ficasse sob controle. Vinha com aquele papo de psiquiatra pra cima de mim. Eu ria muito disso, porque ela achava que eu estava meio maluco de verdade. Ri durante um bom tempo, depois a coisa começou ficar séria:
-Fabiano, porque tu mudas tanto? Eu te vejo pela manha, estas calmo, tranquilo... a tarde já estas mais agitado e com humor demasiado? Você sempre é assim? Tenho te observado...
-É, sou bipolar sabe...(disse brincando...), parei com os remédios...e tal...mas tá tudo bem...
-Tu estas brincando, mas acho que és mesmo...tu vai de zero a cem em segundos e volta a zero mais rápido ainda...isso não é normal...
-Ei Magda, pare com isso ok. Problemas todos temos, mas nem tudo é preciso tratar. Talvez isso seja com você, talvez você não esteja satisfeita com alguma coisa...mas não invente...
-És um artista de inverter o jogo né....? Tu és o perfeitinho...
Não esperava aquela reação hostil. Pra mim, que levo tudo na brincadeira, as pessoas inventam umas coisas estranhas as vezes. Tenho muitos problemas e alguma certa anormalidade. Mas se formos explorar a fundo cada cabeça, talvez seja melhor não fazer isso. Guardamos muitas merdas em nós, nem tudo é tão grave, nem tudo é tão importante e nem tudo precisa ser vomitado o tempo todo.
Aquilo já era tarde da noite. Não gosto de discussões noturnas, elas sempre são horríveis, e os demônios da noite sopram forte em nossos ouvidos. Tentei relevar aquilo para outro momento.
Mas ela estava muito decidida. Nesta época eu gostava de vodca pura com gelo. Uma boa bebida. Mas te deixa mais duro que um martelo soviético. Eu queria descansar, ela seguia falando e mais alto:
-Precisamos resolver isso, tu sempre faz isso, é eu tocar nestes assuntos, tu faz pouco, tu faz pouco de mim e meus sentimentos, por que teu comportamento me afeta, se tu és um anormal, eu quero é ajudar, eu posso ajudar...
Aquela palavra encaixou mal nos meus ouvidos, me senti engolindo alfinetes. A-N-O-R-M-A-L. Irritei-me na hora. Porque resolveu discutir depois da meia noite? Dou este conselho gratuito a vocês. Não discutam de madrugada. As coisas se toram perigosas e podem ter um final trágico. Ela seguia falando, agora misturando tudo naquele liquidificador maluco de informações, o qual eu era o pior ser humano da terra.
-Fabiano, tu estas aqui vivendo na minha casa entendeu ? Em minha casa minhas regras...se eu quero falar eu falo...e tu precisas escutar...entendeu? Tu entendeste?
Claro que eu entendi, aquela falaçada, como uma avalanche foi me pressionando, não reagia bem naquela época, pressionado. Eu estava sentado com o copo semivazio na mão, ela em pé dizendo isso e muito mais, com o dedo em riste apontado pra mim:
-Estas me escutando, seu anorm...
Ela não terminou de dizer a palavra, levantei e dei duas bolachas na cara. Ela caiu sentada no chão, calada e muito assustada. Fiz aquilo instintivamente e não me arrependo. Mas naturalmente aquilo decretou o fim de tudo, minha hospedagem, das vodcas e das boas fodas de madrugada, a morte dos anjos querubins.
Magda não se ergue, fica me olhando no chão, quer apenas que eu vá embora. Coloco umas camisas que tinha em uma sacola plástica. No rosto dela a marca de cinco dedos, e um silencio feito de pedra. Lembro que na verdade, dei-lhe duas bolachas e me controlei, eu queria dar mais, talvez quebrar algum osso. Entrego-lhe as chaves da casa jogando no chão. De saída, paro no vão da porta, limiar da rua e olho para trás e digo:
-Bem, agora você pode me chamar de anormal vadia...chama...vai.. ?
Saio caminhando lentamente. Nunca mais a vi. A vodca entorpecia tudo, era uma boa sensação. Estava flutuando como um anjo louco a beira do abismo. Não sabia para onde iria, não me sentia mal, acabei indo para um bar, templo dos desesperados, aprisco dos venturosos.
Como um filho pródigo eu voltava á noite, entre bêbados, prostitutas e marginais. Os verdadeiros professores da universidade da vida, onde a vida acontece com dose real sem anestesia.
Antes que a noite acabasse, ria entre eles, era absolvido de meus pecados mortais e encontrava um pouco de paz. Não sabia o quanto aquilo iria durar, porque em minha vida tudo sempre foi muito rápido, como um chicote que estala em minhas costas, deixando marcas em meu coração. Que coração não tem marcas afinal. Tenho varias, e algumas doem quando a tempestade se aproxima.
Luís Fabiano.
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