Pesquisar este blog

sexta-feira, fevereiro 04, 2011


Lembrança do que não existiu.


Detesto começar a me importar com as coisas. Quando as emoções tomam um caminho enveazado dentro de mim. Fazendo por isso mesmo, que raízes apareçam a superficie. Creio ter dificuldades em lidar com raízes assim. Geralmente são sujas, profundas e não gostam de sair de onde estão.

Ficam sugando a seiva da vida. Vampiros fetais dentro de mim, viciados crendo em suas certezas furtivas, talvez essa seja a dificuldade. Tudo precisa de provas, reais e literais. Porem, por muitos momentos isso é impossível. Qual a prova de um olhar terno?
Qual é a prova de cheiros de se misturam, misto de tudo que gostamos. Suor, sangue, prazer e merda. Nada há de irrefutável. E tudo está ali.

Hoje amanheci assim. Lembrando-me de coisas e pensamentos que não senti ,conheci ou pensei. Pareceria estranho, mas quando estas emoções se achegam a nós, é uma analogia de vida. Repetimos em nossa breve existência, as belezas subjacentes da vida alheia, e seus horrores naturais. Repetimos porque somos um só, a divisão é apenas imaginária.

Esse também é um erro comum. Não é a vida alheia, as coisas não estão alheias a nós. Estamos ligados pelas mesmas coisas todos. O que se diferencia, são as formas de busca, os encontros e a visão. A fome de caviar, é apenas fome, não é diferente da fome do feijão. Mas gostamos que sejam complemente diferentes. Mesclamos o distinto, como a pauta de nossa personalidade, mas a bem da verdade raramente estamos a altura do caviar raro, ainda que se possa comprar dezenas de latas de Beluga (melhor caviar do mundo).Isso deveria fazer toda a diferença. Mas não. Nosso ridículo fala mais alto.

Tais pensamentos começaram a ter sentido quando, lembrei-me do pai de Bukowski, o prendendo dentro do banheiro claustrofóbico, de dando-lhe a surra de todos os dias. Batia com força para que ele chorasse, e não é difícil chorar assim. Porem um dia ele não chorou mais. As surras perderam o sentido como o amor também.

Estranhamente eu senti uma dor por isso. Eu nunca apanhei assim quando criança. Talvez devesse ter apanhado. Por momentos gostaria de ter apanhado tanto a ponto de morrer. Mas não seria tão fácil. Vim a apanhar depois de homem feito, não foi uma grande surra, mas um bom soco no queixo. O motivo era irrelevante, uma vagina. Uma coisa é certa, não existe uma única vagina neste mundo que valha um soco no queixo.

Quando cai no chão, disse a Dirceu:
-Ei camarada que isso?
-A kelly é minha cara...é minha...entendeu otário...
-Tudo bem, pode ficar com ela...era só dizer...não precisa isso...

Porem meu pensamento era outro. Nunca procurei a Kelly, ela vinha atrás de mim automaticamente. Tinhas carências monstruosas, e uma vagina muito quente. Tivemos um namoro sério, que claro não deu certo quando eu tinha dezessete, e depois como a amantes aos dezenove não deu certo também.

E o cara veio tirar satisfações. Assunto arroz com feijão. As eternas inseguranças das pessoas. Suas infernais crises de ciúmes. O que posso dizer? Três dias depois a Kelly me telefona, queria sair. Saímos, mas eu disse a ela que mentisse melhor, pois meu queixo não era de borracha. Ela prometeu que resolveria, ficamos em paz os três.As vezes a paz é exatamente isso.Uma doença que corre em tuas veias, e que não se anuncia, e tudo está bem.

Lembrei-me também de um bêbado de rua, que certa vez me abraçou. Eu tinha um bom plano de suicídio para aquele dia, e de certa forma ele foi uma resposta de Deus ou do diabo naquele momento.

Porra, onde será que anda este cara?Vivo, morto? Acho que se eu o encontrasse hoje, eu lhe daria um abraço. Pra devolver. Sabem, é preciso devolver às coisas a vida, quando se recebe algo. E aquele abraço era caviar em meu reino de miséria. Não gosto de pensar em Deus, nem anjos ou mesmo demônios.

Prefiro entender que é puramente humano. Fica mais belo que Deus. Aquele cara fedia, a suor, sujeira e álcool, mas ele surgiu em meio à escuridão. E mesmo em seu estado alterado, foi profundamente humano. Por algum motivo, minhas esperanças se acenderam naquele dia. Os bêbados melancólicos e emocionais. Respeito-os como meus mestres, mais que autoridades instituídas de qualquer porte.

Talvez esteja ficando nostálgico demais. Não é bom isso. Coisas do maldito tempo que passa, que de alguma forma tenta enfraquecer nossa armadura, nos descarnando. Nunca fui disposto a deixar minha armadura. Deixo-a de lado, apenas para uma ou duas pessoas.
Penso em caviar, em lembranças e algumas saudades, e sei de que alguma forma, não estou à altura de nada disso.

Luis Fabiano.





Um comentário:

Anônimo disse...

Lendo teu texto me pus a pensar em coisas semelhantes, interessante tua visão e teu modo de reproduzir aqui pensamentos vindos do teu coração ou simplesmente da tua mente de escritor.....me peguei refletindo sobre minha própria vida, desde cedo idealizei o homem perfeito, ele devia me amar acima de qualquer coisa, sentir minha falta e não me trair nunca, doce ilusão,rs, nada disso aconteceu....Já casei, tive filhos, me senti plena e bem por algum tempo, tudo passou, talvez eu não
estivesse preparada para algo maior, eu não sei...
Hoje gostaria de viver tudo com mais intensidade e paixão, gostaria de acordar saudosa de algo real e não só das ilusões criadas na minha mente, gostaria de tanta coisa,gostaria de saber a direção, de saber onde ir e onde quero chegar, de fazer a diferença..... Talvez um dia as respostas venham, enquanto isso vou vivendo do jeito que dá......Gostaria de sentir as..emoções tão bem escritas em livros, nos encontros que o tal destino diz que nos reserva, o tal brilho diferente no olhar.....
Nada disso aconteceu e nem sei se ainda acredito que aconteça, na verdade hoje me dou conta que viver é rala, que a cada dia me deparo com um novo obstáculo a ser transposto e o que é essencial acaba ficando em segundo plano...daí o tempo passa e um dia acordamos e nos perguntamos, tá, e ai, é só isso?
Cadê o sentido das coisas, para que estamos aqui afinal se interiormente sentimos que não fazemos diferença alguma no mundo, é assim que me sinto as vezes, como se fosse invisível como se vivesse em um mundo só meu, irreal, intransponível...
Leio teu blog pq muitas das coisas que escreves aqui faz sentido para mim, outras nem tanto, é uma forma de aprendizado e de tentar explicar o inexplicável....Parabéns pelo texto, creio que o comentário não está a altura, mas como não há regras descritas aqui que seja assim....um abraço e obrigada por tudo e também por nada.

Maria da Conceição