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segunda-feira, janeiro 24, 2011


Navalhadas Curtas: Manteguinha


Gosto de shows humanos. Ainda mais quando são prodigalizados naturalmente, como uma pimenta servida quente. Com todos os achaques irretocáveis e imperfeições da alma humana.Creio que isso torna impagável todo o acontecimento.

Hoje quando a verdade bate fundo em minhas entranhas, percebo que nunca gostei das coisas bonitas, nunca o gostei das coisas limpas e sempre senti asco pelas coisas perfeitas.

Nada de máscaras para a realidade, e por momentos tanta verdade cansa. Eu chegava em casa ontem as três e alguma coisa da manha. Estacionei o carro, e fiquei olhando a noite que avançava.

Estrelas são sempre uma boa companhia, creio que as únicas incapazes de não estragarem nada no final. Ficam lá, longe e mudas nos olhando morrer lentamente.

Ficaria nisso, e depois de uma gozada maravilhosa, não havia mais nada o que esperar da vida. Errado. Sempre há o que esperar, esse é o segredo, é preciso estar aberto ao novo. Mas estamos mais preocupados com o limpo, com o perfeito e o bonito.

Pelo lado de fora da grade do estacionamento, um casal vinha cambaleante. Uma poesia bizarra de horrores e miséria divertida.
Ela vinha na frente tropeçando e gritava:

-Tu não vai me comer hoje não...hoje não...tu nem banho tomou...sujeira...piroca suja
Um pouco mais atrás, ele responde com voz de uma língua pesada:
-Sheila...Sheilaaaa...dexa eu passar manteiguinha no tu cuzinho...Sheilaaaaa...
Então não é lindo? Sentei-me pra ver este desfile:
-Manteguinhaaa no meu cuzinho??? Tu não vai me come hoje...hoje não...
-Vou sim...tu vai ver...dexa eu te pegá...vou mete tudo...até as bolassss...
Como ver algo assim e ficar indiferente. Aproveitei:
-O Sheila, dá o cuzinho pro cara...manteguinha é show de bola, depois passa um pão ali fica gostoso, já fiz...
-Sai caraaaaa, a Sheila é minha...a Sheila...Sheilaaaaaaa...
Sheila me olha atravessado depois do comentário, e manda eu me fuder. O bêbado vibra feliz:
-Isso Sheila...dá só pra mim...com manteiguinhaaaaa...como ontem...

Eu ria muito. Fiquei imaginando, aquele dois com a foda e mais manteiguinha, deve ser algo. Por fim os dois se agarram as grades do prédio, ficam ali jogados se xingando. Não caminham mais, haviam bebido tudo que puderam, exalavam cachaça barata. As vozes deles foram se apagando como um brinquedo de corda sem força.

Bom, o show da noite havia acabado as cortinas fecharam. Olhei mais uma vez para eles semi adormecidos. Naquela noite não trepariam, pois suas almas já estavam fodidas.

Dei tchau e me recolhi. No fundo eles eram meus semelhantes, estranhamente me senti orgulhoso disso.


Luis Fabiano.

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