Potencialmente Morto.

Jorge é um bom amigo de bebidas. Ele funciona como uma espécie de acompanhamento ao trago. Talvez devesse ser engarrafado. Geralmente não marcamos nada, nos sentamos nas nobres e piores espeluncas de Pelotas. Orgulhosamente erguemos nossos copos, brindando a merda de nossas vidas. Viva.
Não temos preconceito. Bebemos rum, cerveja, vinho ou mijo de alguma atendente desatenta. Digo que ele é um acompanhamento, porque a bebida o torna melhor. Sempre digo isso a ele. Que sorri com todos os dentes que Deus lhe deu, menos um.
Porem aquele dia, não estávamos nos melhores dias de nossas vidas. Dias cinzas, onde temos a impressão que Deus esqueceu de nós. Das noite lindas de minha vida, aquela não era estrelada.
Um dia quente demais, muito cansaço por trabalhar muito. Sobrou-nos a noite, seus restos e claro muitas cervejas. Jorge já estava embalado, onde começa a ter ideias. Algumas são boas outras são repletas de tolice. E quando já estamos passados, ele tenta por em pratica tais coisas. Como se a verdade fosse irretocável. Jorge é um personagem pronto:
-Sabe Fabiano, ultimamente tenho tido pensamentos homicidas ultimamente...legal né...
-Eu acho normal cara, quem eventualmente não tem vontade de matar alguém ?Todo dia mato uma meia dúzia. Tá tudo bem...
-Não, não, sabe...eu...tô pensando em matar meu chefe...ontem a noite até comecei a fazer um plano sabe...é sabe...porque...dá pra fazer o crime perfeito, eu sei dá...sabe...
-Jorge, isso é mais que clichê, quem não tem vontade de matar o chefe? Não fode cara, vamos tomar outra gelada, manda teu chefe se fuder, e vida a putaria...
Ele fica aborrecido, dá uma porrada estrondosa na mesa, dando uma entonação que o assunto era sério demais. Estranhei. Olho pra ele, como quem pergunta e aí? No bar todos nos olham. Me ergo pra pegar outra cerveja, sinto que o chão esta macio como as nuvens. Meu sangue era puro álcool. Fui cambaleando até o balcão, fazendo meu balé insano.
Naturalmente virei chacota do bar. As vezes acontece. E já estava assim, fiz uma apresentação completa e sorri com minha cara idiota. Jorge estava aborrecido, não conseguia divertir-se com nada, falando merda e com os malditos pensamentos de matar o chefe. Foda-se o chefe de Jorge.
Quando sentei a mesa novamente, voltou a carga, como um disco arranhado:
-Então cara, eu primeiro vou envenenar ele...tipo um sonífero e tal...depois ele dorme...então vou esquartejando devagar. Entende né? Um braço pra cá, uma perna pra lá...sabe...e me livro dele no São Gonçalo. Ele vira isca de peixe.
Ele falava serio. Os olhos arregalados, como um louco, o sorriso macabro dava ares do demônio por perto. Vi tudo. Realmente aquele não era um bom dia. Sai pra relaxar e agora o cara resolveu virar assassino potencial.
O bom do Jorge, é que não o conheço bem. Tenho aprendido a não querer conhecer ninguém bem. As pessoas muito próximas se tornam ás vezes asquerosas. Antes que isso aconteça, então mantenho uma distancia respeitável. De ascos, já me bastam os meus próprios.
Fiz de conta que escutava a narrativa sombria de Jorge, os detalhes sórdidos, de um desfecho sangrento, muito mais a lá Tarantino, que ele próprio poderia conceber. Como uma espécie de pinico, fiquei bebendo cerveja e ouvindo a ladainha, até que a bebedeira ganhasse dele. É isso. O deixei meio adormecido naquele bar, sonhando com o chefe morto e babando em uma mesa podre.
Sai caminhando pra procurar meu carro. O mundo girava a minha volta. As ruas estavam tortuosas e luz vacilante. Que merda de dia. Queria apenas chegar em casa, tentar adormecer. Talvez sonhar com anjos em céu calmo. Olha que eu detesto anjos e céu paradisíaco. Mas tem dias, que o soprar do inferno cansa.
E se for possível, desejo me aconchegar, com um pequeno passarinho, nos braços de alguém, quero ficar ali apenas uns minutos.
Já me basta.

Luis Fabiano.