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terça-feira, junho 01, 2010


De Henrique para Rayssa.

Conheci Rayssa quando ainda era Henrique. Éramos todos adolescentes, muito bobalhões, fracamente idiotas, falo de mim. Sempre me considerei assim, todos querem ser espertos, ser os “caras”, mas no fundo tudo não passa de experimentação e idiotice.
Não amaldiçoou os lugares pobres que morei, foram bons, a vila é onde se vê a dificuldade, então eu e meus amigos tínhamos que nos virar, divertir-se com o que tinha, tentar estudar, tentar se transformar em alguém como queriam nossos pais.
Muitos de nós não se transformaram em nada como eu. Foram arrumando um empreguinho aqui outro ali, casando, criando famílias, fazendo filhos, armazenando ex mulheres. Por assim dizer, ninguém virou “alguém”, nos tornamos o comum, o esperado, porque a vida é exatamente assim, não há surpresas dignificantes, nem pote de ouro no fim do arco íris. O que você é, é realmente tudo que você será, a gloria é um estado da alma, e se não houver paz e algum descanso alí, bem, prepare-se, não haverá em nenhum lugar do mundo.
Henrique desde de muito cedo dava mostras que não era exatamente como nós, os idiotas. Era mais sensível, mais inteligente, mais feminino, meus colegas foram se afastando dele. Achavam que talvez a viadisse de Henrique fosse contagiosa, uma lepra, algo assim. Não encarei assim. Seguimos nos falando normalmente, mas dia a dia entendia que sua vida seria muito difícil, não era preciso ser nenhum gênio para isso.
O pai de Henrique, notava a diferença do filho, tinha sua psicologia, digamos forte para cuidar do caso: dava algumas porradas nele, na cara, chutes onde pegasse, para ele aprender a ser homem! Acho que tudo piorava, não gostava de escutar aquilo. Nesta época as leis eram mais flexíveis, pais podiam dar porrada a vontade, era chamado de educação. Hoje mudou pouca coisa, fica tudo informal com outros nomes.
Lembro que falei do problema de Henrique ao meu pai, logicamente meu pai deu apoio ao seu Nestor, pai de Henrique, eram da mesma geração, educados a machado, silenciei o assunto em casa! Talvez ele tenha visto pelo lado da frustração paterna, o filho homem que não era homem. Que estranho amor. O que percebia, era que aquilo estava se tornando insustentável, para família de Henrique, era um esgoto a céu aberto, que não parava de verter merda.
Na rua, todos julgavam o Henrique, ele já se convertera no viadinho da rua, a bixinha, o preconceito que antes era tímido, agora era franco, descarado, o tempo faz isso. A vida de Henrique era um inferno, conversávamos pouco agora, seu pai queria que ele tivesse mais contato com meninas, berrava para quem quisesse ouvir: “um bom caldo de buceta, vai te curar, ou quartel, lá vai virar homem!” Acho que era a ultima esperança dele.
Henrique se alistou, na seleção dos que entrariam para vida militar, ele foi reprovado. Sobrou é como tratam o caso dele. Não preciso dizer que, seu Nestor, ficou muito transtornado. A mãe de Henrique talvez até quisesse se intrometer naquilo, mas não tinha força pra isso, sabe-se lá os motivos dela.
Tudo seguia mesma coisa, brigas, discussões, Henrique apanhando. Porem a vida, estranhamente apronta conosco. Seu Nestor teve um AVC, ficou muito paralisado, sem fala, era como tivesse virado um homem de brinquedo. Mudo, braços rijos, as pernas dobravam e ficavam na posição que se colocasse. Henrique, filho único, foi quem ajudou o pai nesta vida nova que agora começava. O pai não podia falar, apenas viam lagrimas em seus olhos, que seria aquilo? Raiva ou amor?
Neste mesmo tempo, Henrique que já não tinha muitas características masculinas, ia lentamente se convertendo em mulher. O cabelo crescia, fisicamente ele não tinha músculos, era magro. Ia mudando devagar, começou a aparecer com roupas mais femininas, pele bem tratada, depois uma leve maquiagem. Realmente a vida deles melhorou com a doença do pai, parecerá detestável colocar assim, mas é verdadeiro. As vezes a doença torna a vida de uns piores e de outros melhores, afinal tudo tem dois lados ou mais. Henrique era um cara inteligente, logo arrumou um bom emprego concursado.
Ajudou muito sua mãe, seu pai que nunca mais se recuperou. Eu me mudei daquele lugar, nunca mais tornei a encontrar Henrique, me perdi desta historia e me perdi um pouco também. Porem não muito, encontrei Mauro dia destes, um amigo de infância, não sei se posso chamar de amigo, ele ficou aborrecido comigo quando éramos jovens, acabamos brigando por causa da Viviane, que no fim das contas, não ficou com nenhum de nós. Eu disse, idiotas!
Mauro me relatou que seu Nestor morreu, sem nunca mais falar nada. Henrique agora tinha colocado umas tetas maiores que de sua mãe, que vestia-se refinadamente como mulher e tinha um bom emprego federal, que embora fosse chamado de Henrique, seu nome agora era Rayssa, tinha feito algumas plásticas no rosto, no corpo, era mais mulher que muitas mulheres, torna-se tão bonita que na rua tinham agora inveja dela.
Pensei comigo: que rua maldita, antes apedrejavam o cara, agora sentem ciúmes, mesquinhez é foda.
Me despedi de Mauro, e perguntei: e a Viviane?
Ele começou a rir, eu fiz de propósito. Eu disse:
-Não ri não, aquela briga eu ganhei.
-Nada disso, eu te dei uma porrada na cara lembra?
-Mas eu fiquei em pé, lembra?
O clima começou a ficar eletrizado. Realmente, o ser humano é muito idiota. Fomos embora tremidos, tem coisas que nunca passam, acho melhor que seja assim.
Esqueci aquilo momentaneamente, fiquei pensando no destino de Rayssa/Henrique, quando olhamos algo, dificilmente saberemos o que ira acontecer.

Luís Fabiano.

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