Rei das Bucetas – Saudade é a poesia do amor
Cai a noite feroz, como olhos que se fecham e não
adormecem. Respiração, o vento frio varrendo ruas, carregando sonhos para os
cantos escuros, para dentro dos becos e casas. Gosto de olhar a noite cair,
talvez porque minhas sombras não fiquem mais tão solitárias. Da janela do
quinto andar, um crivo black mentolado, rum a granel e uma pedra de gelo
boiando... ruas ficando vazias, quase uma da manhã...
Rum comigo sempre é uma incógnita. Fico excitado ou
anestesiado, cara o coroa...tambor da roleta russa...
Olho em direção ao Bairro Navegantes... como um botão que
liga o sopro do demônio, não penso duas vezes. Pego o carro e vou em direção
lentamente a Boteco em que o Rei das Bucetas é o patrão.
As ruas ficando ruins, buracos e poeira da terra, o
cheiro de esgoto fresco no ar... essas coisas tão importantes ,que são capazes
de mudar tudo, é o traço fundo na memória... o passo final, que leva a mudarmos
tudo em nós... cheiro de vida ainda que podre...gente se misturando ao esgoto,
a merda, a vida, cheiro visceral estuprando o olfato chegando na alma...
O bar estava lindo como um anjo do mal, sorrindo com
dentes cariados. Cheio, transbordante... um pagode de mesa tocado, risadas,
mulheres, cachaça e coca-cola... porra a vida pode ser melhor?
Estacionei o carro, algumas poucas pessoas que conheço me
cumprimentaram... e ao fundo sentado a esquerda na contramão de Deus, estava
ele, impecável vestido de branco, chapéu branco como um Exu em paz... sorrindo
com todos os dentes. Ele segura a ponta do chapéu me cumprimentando e apontando
um lugar vago em sua mesa plástica...
-Então Rei das Bucetas... solitário hoje... que milagre
majestade...
-Nada de solitário meu caro... meus amores andam dentro
de mim... onde não existe distancia
-Boa saída... boa mesmo, vais comer elas ai, por dentro
de ti?
-Puta que pariu Fabiano... que sensibilidade ... porra...
as coisas são mais profundas que um pau e uma buceta, já te disse... a relação,
o tesão começam na saudade, a lembrança, as marcas na pele... da ultima trepada,
o silencio que antecede tudo... tudo isso é amor... sem amor a foda é seca...
-Tudo bem Rei... hoje estamos filosóficos demais... eu to
bêbado, e as coisas não precisam de muito sentido não... foda-se.
Algumas poucas mulheres requebravam a bunda ao som do
pagode. Coisa boa de ver isso, gosto de bunda grande... e elas possuíam dotes
maravilhosos... dentro de uma minissaia curta, por vezes uma subia um pouquinho,
mostrando a ponta da calcinha branca mais ou menos limpa...
O cheiro da orgia... do suor de um dia de trabalho, do mijo e
outras secreções vaginais, dardejam minha cabeça, num misto de fantasia bêbada,
alcoólica e desejos de vapor...
Rei das Bucetas ria... uma risada irônica. Tomo um bom
gole de cachaça pura... tudo parece tão tortuoso... o bar fica em câmera lenta.
Telma surge do nada, sentando no colo do Rei, sorria um sorriso de puta
feliz...
O Rei me olha:
-Percebe o que eu digo? Pergunta pra Telma, quando foi
que ela me viu a ultima vez?
Telma responde sozinha:
-Fazem duas semanas... ai amor... que saudade de ti... do
pau gostoso, da tua pegada, da tua boca fazendo tudo aquilo em mim...ai mon amour...
Gostava da disposição de Telma. Falava como uma puta de
honra, gosto de mulheres que falam as coisas... na lata. Eles não se demoraram
muito e desapareceram. Foram matar a saudade...
Veio outro copo liso de cachaça. Rum e cachaça, haviam me
anestesiado de vez. Os batuques do pagode pareciam longínquos como um sonho... as
bundas pareciam flácidas de gelatina, minha vida uma artéria entupida, tudo tão
lento louco... quanto tempo havia
passado? Não sei.
Me arrastei até o carro, entrei... deixei a musica do
radio tocando baixinho... adormeci no carro.
A madrugada avançou como uma lesma no oleo, virou dia... acordo,
olho para o bar fechado as seis da manhã... as janelas do carro abertas
abertas... o chiado no radio... a cabeça doía muito... pensei que havia me
mijado, já aconteceu algumas vezes... mas não, apenas estava suado.
Fui pra casa... o papo da noite estava nebuloso em minha
mente, hiatos de nada. Puta merda, acho que se tivesse ficado em casa, batido
uma boa punhetinha matinal...
Precisava urgente de uns três tilenol...
Luís Fabiano